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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CRÔNICAS - OLAVO BILAC

“ o mestre do passado, do livro de poesia escrito longe do estéril turbilhão da rua , não será o mesmo do presente , do jornal , a cronicar assuntos do Rio de Janeiro do fim do século XIX...”




Trabalho feminino
 
 O sábado, em que está sendo escrita esta crônica, arrasta-se aborrecido e pesado, numa enxurrada de lama, sob o açoite frio dos aguaceiros, cheio de uma melancolia que nada pode dissipar. Oh! estes dias de chuva! Deus sabe quanto suicídio tem por causa a sua fúnebre tristeza…
Deixando cair o livro que lia, o cronista levantou-se, abriu a janela, lançou um olhar entediado ao céu e à rua. (...)E não se vê ninguém… Quem há que se atreve a afrontar a dureza desta úmida manhã, toda de. choro e enfaro.
Comentário do Prof. Gil
Um olhar para o espaço urbano , apresentado com a maestria e a poesia , traduzindo-o com a melancolia e tristeza daqueles tempos , bem ao gosto de um observador realista, e lembrando neste momento, um outro português : Cesário Verde.( Realismo Português )
(texto de Cesário Verde )
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Despertam um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina


Soturnidade = solidão     Turba = multidão


Mas não… Lá vem, cosido à parede, um vulto apressa­do. E uma mulher. Mais perto agora, distinguem-se-lhe as feições, as roupas encharcadas, sob o puído guarda-chuva gotejante. A borrasca envolve-a, vergasta-a, cnraiva-se sobre ela, com uma crueldade implacável. A velha saia preta, colada às pernas, vem barrada de lama; os sapatos chapi­nham nas poças da água; e sempre cosida à parede, car­regando um grande embrulho, tossindo e tremendo de frio. lutando contra a ventania furiosa, lá se vai a pobre — fan­tasma da pobreza, vítima de uma dura sorte, em busca do pão com que há de alimentar os filhos pequenos, e, quem sabe? talvez também um marido malandro, que fica, no calor da alcova, contando as tábuas do teto e fumando, enquanto a mísera tirita pelas ruas alagadas…

Comentário do Prof. Gil
A apresentação da mulher terá a idéia da miserabilidade , do sofrimento
“... lá se vai a pobre — fan­tasma da pobreza, vítima de uma dura sorte, em busca do pão com que há de alimentar os filhos pequenos...”, podemos fazer neste momento uma certa associação com a personagem Maria Parda de Gil Vicente.

Ex. Gil Vicente coloca sua Maria Parda na região da Praça da Sé... “Seca, desgrenhada, escura...” Uma Maria Parda que acreditamos ser um símbolo, uma representação metafórica da realidade de Lisboa àquela época... Época de fome e miséria, acarretadas pela seca que assolou o país no ano anterior, devastando as vindimas
Comentário do Prof. Gil
A partir deste trecho o autor estabelecerá painéis sobre a mulher do século XIX “ flores humanas na estufa da civilização” , “são uns encantadores e estranhos ani­mais, metade anjos, metade demônios, tão sedutores e amáveis quando abusam da sua influência celestial como quando abusam da sua influência satânica”.
Mas também deixa um trecho enaltecendo a força , o trabalho que a mulher representa da primeira luz do dia às horas cerradas da noite, entisicando sobre a máquina de costura, perdendo as forças sobre a tábua de engomar, tisnando a pele junto das chamas do fogão!”
E o quanto os homens não reconhecem este perfil valoroso da mulher “Ninguém pensa nisso… Só, de quando em quando, um . cronista melancólico, levado pela própria tristeza a cuidar das tristezas alheias, demora a atenção sobre a dureza da vossa negra sorte — ó mulheres pobres, que sois tão mais fortes do que nós, na moral como no físico!”



Ainda não há três dias publicava A Notícia esta local: "Pela primeira vez, foi enviado ao Ministério da Fazen­da um requerimento de uma senhorita pedindo para ins­crever-se [***] concurso, a fim de exercer um emprego [***] Fazenda.
"Esse requerimento foi à diretoria do contencioso, a fim de ser informado, e combateu a pretensão, pelo que o sr.ministro da Fazenda resolveu indeferir o mencionado requerimento."

Ora, as leis humanas não podem ter a infalibilidade que a Igreja atribuí às leis divinas. A sociedade não pode sujeitar-se ao império de uma lei absurda, somente porque ela é uma lei.

Sempre que se agita esta questão das reivindicações femininas, escovam-se e [***] os velhos chavões, e, com um grande ar de importância, os filósofos decidem sem apelação que a mulher não pode ser mais do que o anjo do lar, a vestal encarregada de vigiar o fogo sagrado, a depositária das tradições da família… e das chaves da despensa.

Comentário do Prof. Gil
Uma reflexão crítica sobre a sociedade e o espaço que a mulher deseja conquistar , reivindicando poder participar de um concurso mas tendo seu pedido indeferido. Retrato verossímil de uma época. O autor deixa uma crítica às Leis e aos “ filósofos “ de sua época com o machismo e insegurança masculina disfarçado de sabedoria





Se todos quisessem ser sinceros, ou antes se não quisessem enganar a si mesmos, quantos homens confessariam que os melhores atos de toda a sua existência foram inspi­rados no recesso do lar, entre dois carinhos — nessas horas de intimidade em que as mulheres sabem influir sobre o nosso espírito sem mostrar o que estão fazendo, e cm que nós, inconscientemente, sem humilhações para o nosso desmarcado orgulho, vamos pouco a pouco adotando as suas idéias e abandonando as nossas, de maneira que, daí a pouco, exclusivamente parece nosso aquilo que é exclusiva­mente delas!


Abram-se às mulheres todas as portas! Porque, enfim, nós, os homens, já temos contribuído tanto para plantar  na Terra o domínio da tolice e da injustiça — que não era mau saber se o outro sexo não é capaz de ter mais juízo do que o nosso!…


Gazeta de Notícias
18/8/1901
Comentário do Prof. Gil
Um apoteótico final exalta a importância da mulher e a justeza no discurso de Bliac que desafia a tolice e injustiça dos homens a abrir as portas para as mulheres , que representam o juízo que falta na sociedade



Prostituição infantil 



Não sei que jornal, há algum tempo, noticiou que a polícia ia tomar sob a sua proteção as crianças que aí vivem, às dezenas, exploradas por meia dúzia de bandidos. Quando li a notícia, rejubilei. Porque, há longo tempo, desde que comecei a escrever, venho repisando este assun­to, pedindo piedade para essas crianças e cadeia para esses patifes.
Mas os dias correram. As providências anunciadas não vieram. Parece que a piedade policial não se estende às crianças, e que a cadeia não foi feita para dar agasalho aos que prostituem corpos de sete a oito anos… E a cidade, à noite, continua a encher-se de bandos de meninas, que vagam de teatro em teatro e de hotel em hotel, vendendo flores e aprendendo a vender beijos.


Comentário do Prof. Gil
Mais uma crônica voltada para o universo feminino. Saindo da observação da mulher adulta discriminada e explorada pelo pensamento machista e retrógrado da sociedade, mergulhamos nesta crônica num olhar para a mulher , mas na fase infantil e sendo explorada pela estupidez e bestialidade através da prostituição.
 O trecho “  vendendo flores e aprendendo a vender beijos” traduz a idéia do texto com uma poesia que depois descortinará a crueldade desta sociedade com crianças de 7 a 8 anos.
A pobrezinha levantou-se, com um grito. Teria oito anos, quando muito. Louros e despenteados, emolduravam os seus cabelos um rosto desfeito, amarrotado de sono e de choro. E dentro do miserável vestidinho de chita, todo o seu corpo tremia, como numa convulsão, nervosamente. Quando viu que não lhe queria fazer mal, o seu ar de medo mudou-se logo num ar de súplica. Pediu-me dez tostões, chorando.
E a sua meia-língua infantil, espanholada, disse-me cousas que ainda agora me doem dentro do coração.
Perdera toda a féria. Só conseguira obter, ao cabo de toda uma tarde de caminhadas e de pena, esses dez tostões — perdidos ou furtados. E pelos seus olhos molhados pas­sava o terror das bordoadas que a esperavam em casa…
"Mas é teu pai quem te esbordoa?"
"E um homem que mora lá em casa…"
Dei-lhe os dez tostões, sem poder falar.
Ela, já alegre, com um sorriso divino que lhe iluminava a face úmida, pediu-me mais duzentos reis — para si, esses, para doces.


Comentário do Prof. Gil
O trecho destaca a idéia da menina que tem que posar de mulher para se prostituir sob a ameaça que vem de sua própria casa. E por outro lado o texto deixa evidente que a “ mulher “ não passa de uma menina “ pediu-me mais duzentos reis ....esses , para doces

Enfim, todos nós temos mais que fazer. E talvez a sorte melhor que se possa desejar hoje cm dia a uma criança pobre — seja uma boa morte, uma dessas generosas mortes providenciais, que valem mais que todas as esmolas, todas as bênçãos, todos os augúrios felizes e… toda a comiseração dos cronistas.

Olavo Bilac

Gazeta de Notícias
14/8/1894
Comentário do Prof. Gil
 ‘ todo nós temos mais o que fazer “ singulariza e simplifica bem o discurso da sociedade diante da problemática social da prostituição infantil. E a morte é colocada como um ponto final único para o problema.




Recenseamento



Enfim, vai o Rio de Janeiro conhecer-se a si mesmo… Uma cidade sem recenseamento é uma cidade que a si mesma se ignora, porque não tem a consciência da sua força, do seu valor, da sua importância.
Infelizmente, já se descobriu o meio de opor embaraços à realização da bela idéia. No mesmo dia em que o prefeito decretava a organização do recenseamento da população, era publicado um ofício do ministro da Guerra, solicitando a organização do alistamento militar… E o povo, cotejando essas duas medidas, juntando-as, pesando-as na mesma balança, começou logo a atribuir-lhes uma aliança oculta um conúbio escondido, uma identidade de intuitos e de fins. A gente culta (que infelizmente não é legião) sabe- que esses dois serviços nada têm de comum, e que o propósito da prefeitura é, única e exclusivamente, o de saber quando habitantes tem a capital da República — cousa que, por vergonha de todos nós, ainda não se havia tentado averiguar. Mas, para a gente ignorante e desconfiada (a desconfiança e a ignorância são irmãs gêmeas), o recenseamento é o pretexto para o alistamento militar — e já o medo da farda e do serviço de caserna começa a sugerir às almas inquietas a idéia de se recusar a encher as listas censitárias.
Esse terror é natural. Antigamente, o recenseamento apenas era feito para auxiliar dois serviços profundamente antipáticos aos povos de todos os tempos: o do recruta­mento militar e o da cobrança de impostos. O imposto e a farda — dois espectros, dois espantalhos! Já na velha Roma, no remotíssimo tempo de Servius Tulius, quando os curatores tribuum saíam, com as suas tabuinhas ence­radas e os seus estiletes de marfim, a percorrer a urbe, e a recensear os habitantes, separando-os em assidui e proletarii — um medo pânico se alastrava pelas vielas e pelas alfurjas da cidade, e um terço da população, sabendo que aquilo significava guerra ou imposto, cobrança de sangue ou cobrança de dinheiro, transpunha as portas, e ia refu­giar-se no campo.
Comentário do Prof. Gil
O olhar do homem público , do cidadão Bilac para o contexto do recenseamento no Rio de Janeiro traz a discussão dos valores de cidadania e consciência do brasileiro da época.
Hoje, o recenseamento tem um fim mais amplo, mais nobre, mais belo — um fim social. E uma parte essencial da estatística, que, sendo "o estudo numérico dos fatos sociais", é uma das ciências tributárias e auxiliares da socio­logia. Como explicam os mestres da economia política, a vida social é um movimento perpétuo, uma transformação contínua, e uma constante renovação de fenômenos, que, por mais diversos que pareçam, sempre se podem classi­ficar em um número relativamente limitado de categorias. Não há um só fato individual que deixe de ser interessante, porque os fatos individuais, reunidos, formam os fatos so­ciais; e não há meio de governar sem o conhecimento des­ses fatos. É a estatística que torna possível o governo. Ela é, por assim dizer, a "escrituração social": se uma casa de comércio não pode viver e prosperar sem o registro minu­cioso das suas compras e vendas, e sem* os balanços pe­riódicos que demonstram o bom ou mau çstado dos seus negócios — também a sociedade humana não pode dispensar os seus guarda-livros, que são os encarregados da estatística…
Essa "escrituração social" tem sido até hoje criminosa mente relaxada no Brasil. Os "guarda-livros" do país, ou são incompetentes, ou são indiferentes. Aqui a estatística é um mito. Para não ir muito longe, e apenas citar um fato simples e de fácil verificação, basta lembrar que, no Rio ele Janeiro, a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional não têm catálogos! É incrível, mas é verdade… Se nem temos sido capazes de organizar e publicar o catálogo de um museu ou de uma biblioteca, não é de espantar que não tenhamos organizado e publicado até hoje o catálogo geral da nossa população, das nossas riquezas, do nosso trabalho, da nossa vida…

Há pouco tempo,; a Legação Japonesa no Brasil dis-tribuiu, pelas repartições públicas e pelas redações dos jornais, o Anuário financeiro e econômico do Japão relativo a 190$. Lendo esse livro, que é um monumento assombroso e maravilhoso de estatística, é que se pode compreender o estupendo progresso daquela nação.


Mas estas idéias, tão simples, tão claras, tão vulgares, não podem, desgraçadamente, ser eficazmente incutidas no ânimo de toda a nossa população. Por quê? porque uma grande parte da nossa população não sabe ler…           


É aqui que tudo vem ter: o problema da instrução é como, nas máquinas, o eixo central, em torno do qual os movimentos de todas as peças se combinam e conjugam. Por isso, é que não deixo de tocar este realejo, cuja música pode parecer enfadonha, mas é indispensável: e "si cette histoire vous embête,/ nous allons la recommencer!". ["se esta história vos aborrece/ nós vamos recomeçá-la” ]
    Gazeta de Notícias 17/6/1906
Comentário do Prof. Gil
A discussão no texto se expande para uma reflexão em torno de valores de compromisso social , do progresso de uma Nação, da carência do próprio povo balizada pela ignorância política e social e analfabetismo. E ao final a idéia sempre do recomeço para obter “ Ordem e Progresso “.





Antônio Conselheiro


 
Confesso que nunca entendo bem as cousas que se pas­sam aqui. Tenho viajado tanto, que já não há canto da terra que os meus pés de cabra não tenham calcado, nem recanto de horizonte em que não tenham pousado os meus olhos satânicos: e tenho, em todas as terras, entendido tu­do; aqui, porém, o mais insignificante caso se reveste de tão extraordinárias circunstâncias e se complica de tão sin­gulares episódios, que a minha pobre cabeça de diabo, com as idéias baralhadas, se perde, delira, ensandece… Vede-me, para exemplo, este caso do Antônio Conselheiro…1
O Conselheiro é (dizem-no todos) um fanático, um desequilibrado, um histérico. Em criança, tinha crises de epilepsia. Casou. A mãe dele desandou logo a ter conflitos, e bate-línguas, e troca de insultos ásperos com a nora. En­tre as duas, Antônio Conselheiro penava, querendo em vão reconciliá-las. Um dia, desesperado, foi-se à velha: "Por que briga a senhora com minha mulher? que lhe fez ela? por que não a deixa em paz?".
A velha, alma danada, para reconquistar o amor e a confiança do filho, não trepida em se valer de uma calúnia. E convence Antônio de que a mulher o engana: "Queres a prova? finge uma viagem, volta depois às escondidas, ocul­ta-te na chácara, e espreita! Verás que, às horas tantas da noite, há de chegar aquele que é mais amado do que tu!".
Aceita o moço o conselho, diz que vai jornadear, beija a mulher, e parte. Mas, à boca da noite volta, e, dentro de uma moita, fica à espreita. Daí a pouco, vê que um vulto de homem salta o muro e, com passo de gatuno, leve e abafado, se aproxima da casa. Antônio (em todo homem há sempre a fúria de um Otelo!),2 Antônio não resiste ao primeiro impulso da cólera: põe à cara o clavinote e dis­para-o. Cai o vulto, baleado. E quando o desgraçado vai ver de perto quem matou, vê estendida por terra, numa poça de sangue, a própria mãe, vestida de homem. A mísera, querendo iludir o filho, tivera a diabólica idéia de combinar toda esta aventura, cujo êxito pagou com a morte…
Isso é o que diz a lenda. E diz mais que Antônio, deses­perado, internou-se nos matos bravios, transformando-se desde então neste Conselheiro que é hoje diretor de 3 mil fanáticos que, armados de carabinas Chuchu, devastam a Bahia e estão dando que fazer às tropas do general Sólon.1
Há desgraçados que o remorso transforma em frades, ou em criminosos relapsos, ou em suicidas, ou cm idiotas. Outros, muda-os o remorso em apóstolos… E o Conselheiro não foi impelido para o Apostolado unicamente pelo re­morso. Este já achou o terreno preparado na alma do Antônio — alma de inquieto, de agitado, de nevrótico. Podia dar para outra cousa o homem: mas deu para se julgar Enviado de Deus, encarregado de regenerar o mundo, de redimir a humanidade, de combater os governos existentes.
Ainda se ele parasse aí! se os 3 mil homens se limi­tassem a correr os desertos, e a comer gafanhotos como são João Batista, e a jejuar e a orar como santo Antão, na Tebaida!… Mas, não! os fanáticos de Antônio Conselheiro, apesar de se dedicarem à penitência e à reza, e à reforma dos costumes dos homens — não podem passar sem pão, sem carne, sem cachaça, e sem mulheres. E, pois, saqueiam as vilas, assolam as aldeias, matam os ricos, escravizam os pobres, defloram as raparigas, e assim vão vivendo bem, bem combinando os sacrifícios do viver religioso com as delícias do comer à tripa forra.
Ora bem! chegamos agora ao ponto principal do caso. Pelo que todo mundo diz do Conselheiro, ele não é só um fanático: é também um salteador; e salteadores, além de fanáticos, são também todos os seus sequazes. E, em qual­quer outra parte do mundo, esse pessoal seria baleado, cor­rido a pedra e a sabre, sem complicações, sumariamente. Aqui, não! Aqui tudo é política. Aqui não se compreende que se faça alguma cousa., ou boa ou má, sem ser por política. Houve um incêndio? política! Um bonde elétrico matou um homem? uma senhora fugiu de casa? política. Caiu um andaime? o Prudente tinha uma pedra na bexiga? política! E, assim, o Conselheiro, na opinião da imprensa indígena, nem é um fanático, um Jesus de fan­caria — nem é um salteador, um Fra Diavolo4 da Bahia: é um homem político, é um conspirador, é um restaurador da monarquia…
A Liberdade cala-se sobre ele: manha de monarquista. A República diz que ele é emissário do príncipe do Grão-Pará: recurso de jacobino.

Entre essas duas manias, quem lucra é o nosso Conse­lheiro, que, sendo, ao mesmo tempo, um maluco acabado e um refinadíssimo patife, deixa de ser tudo isso, para ficar sendo, graças à mania política da terra, um agitador, um Kossuth,5 um Montt,6 um não sei quê!


Viva a política! Nada há mais sobre a Terra, debaixo do clarão esplendido do sol!


O Diabo Vesgo


Notas
  1. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro (1828-97): nascido em Quixeramobim, no Ceará, Antônio Conselheiro liderou a rebelião de Canudos, no interior da Bahia. Este episódio de nossa história, ocorrido entre 1896 e 1897, foi a base de Euclides da Cunha para escrever Os sertões (1902).

2.  Otelo, o Mouro de Veneza, é personagem de peça homônima de Shakespeare  (1564-1616). Casado com a bela Desdemona, Otelo mata-a num acesso de ciúme, persuadido de que ela o traíra com Cássio. Depois de saber-se enganado, Otelo se mata.

3
General Frederico Sólon Ribeiro (1842-1900): comandante do Dis­trito Militar da Bahia, sob cuja responsabilidade deu-se a Ia Expedição a Canudos, encabeçada pelo tenente Pires Ferreira, em novembro de 1896. Depois dessa derrota em Uauá, armou-se um conflito de interesses entre o governador Luís Viana e o general Sólon.

4 Fra Diavolo (Frei Diabo) (1771-1806): aventureiro de origem italia­na, Pca Diavolo em o apelido de Micbele Pezza, que foi executado no reino de Nápoles, a mando dos franceses.

5 Lajos Kossuth (1802-94): político húngaro, Kossuth batalhou pela independência de seu pais e por medidas aduaneiras que protegessem a indústria e o comércio da Hungria.

6  Manuel Montt (1808-80): político chileno, Manuel Montt foi presidente do seu país entre 1851 e 1861, quando implantou uma política de modernização e de reformas.


Comentário do Prof. Gil
O autor se apresenta no texto como o “ diabo “ que se mostra revoltado com o que presencia na terra. Pois temos a figura conhecida por nós ANTONIO CONSELHEIRO ( Canudos ) ganhando destaque e atenção das autoridades da época ao contrário da visão que o autor tem do mesmo , ao considerá-lo um fanático religioso. Um pertubardor da ordem pública
O leitor fica meio que sem entender o porquê de tal postura do autor. Mas estamos no Brasil do início da República e Bilac era defensor da democracia republicana e Conselheiro pregava a volta da Monarquia, e portanto temos uma postura dura por parte do autor.

Embora saibamos que Conselheiro liderou a reivindicação de miseráveis no levante de Canudos, tendo 25 mil pessoas como seus seguidores e sua imagem seja diferente da apregoada por Olavo

PRIMEIRA MANHÃ - Dalcídio Jurandir

A obra de Dalcídio Jurandir, esse escritor quase desconhecido do grande público,
compõe-se de onze romances, entre os quais dez são de ambientação amazônica. Desses dez romances, que formam a chamada “Saga do Extremo Norte”, o personagem Alfredo é uma espécie de fio condutor, com seu percurso inquieto pela cidade e pelo interior do Pará, desvelando, especialmente, o complexo espaço urbano de Belém, além de participar ou acompanhar os dramas de vários outros personagens que cruzam seu caminho.




CARACTERÍSTICAS DE DALCÍDIO JURANDIR EM “PRIMEIRA MANHÔ

1-    Romance enquadrado na terceira geração modernista;
2-    Sintetiza a terra e o homem da Amazônia, universaliza a cultura amazônica;
3-    Mostra o falar regional, caboclo;
4-    Dá relevância às crendices do povo amazônico (simpatias, benzedeiras, festas, folclore, causos etc.);
5-    Abusa de rememorações e digressões (desvio de rumo ou de assunto, evasiva);
6-    Utiliza recursos poéticos na sua prosa (rimas, aliterações, metáforas, antíteses, pleonasmos etc.):
Ex.: Pensar que pediu perdão? (aliteração)
            O Coronel a língua engoliu (hipérbato)
7-    Seus personagens crescem na narrativa em densidade psicológica;
8-    Dificulta ao leitor o acompanhamento do foco narrativo, pois passa da voz de um narrador externo para a voz interna da personagem, originando daí a quebra na temporalidade e no espaço da narrativa;
9-    Apropria-se da tradição literária amazônica, usando o texto Voluntário;
10- O enredo deve localizar-se entre 1926, aproximadamente;
11- Mostra diversas temáticas: a descoberta da sexualidade, a adversa realidade escolar (sala de aula como aprisionamento de pessoas, como peixes em “aquário de gelo”), a vida de aparências, a infidelidade amorosa etc.;
12- Enredo quase todo desprovido de ação (as personagens mais pensam que agem);
13- Romance-rito, rito de passagem, romance-grito dos excluídos;


ROMANCE “PRIMEIRA MANHÔ
(DALCÍDIO JURANDIR)
Mais um livro do Ciclo do Extremo Norte, traz de volta Alfredo, agora no ginásio. Tal como Belém do Grão-Pará, tem como pano de fundo uma Belém decadente e nostálgica dos tempos Belle èpoque. O amadurecimento de Alfredo, a percepção das injustiças e contradições sociais, o choque com a realidade educacional, muito distante daquela que sonhava ainda garoto em Cachoeira, as culpas que carrega se misturam à crônica da família Boaventura. Alfredo, o personagem central vive a sua primeira manhã de Ginásio (quinta série), esperada, tão cobiçada, com acontecimentos e impressões que lhe ferem profundamente a adolescência. Alfredo se encontra com novos personagens, mora noutra casa e com outra gente, cujos problemas agravam os do estudante sempre inquieto e ávido de aprender o mundo. Numa sucessão de quadros e cenas, o romancista nos apresenta a d. Santa (velha parteira) e suas netas, a D. Dudu, a D. Brasiliana (moura do contrabando e íntima da Alfândega e Foro), os Boaventuras, dos quais se destaca Luciana. A caminhada de Alfredo em companhia de duas senhoras numa noite pelo subúrbio, a conversação entre Alfredo e Ludica – um longo diálogo de adolescentes – o encontro com os professores no Ginásio, completam este volume.

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O rapaz Alfredo tem dezesseis anos,morador da José Pio, no bairro do Telégrafo.Foi abrigado na casa em que o coronel Braulino Boaventura construiu em Belém.O coronel é morador de Cachoeira,no Marajó,proprietário da fazenda Camamono e Intendente daquele municíipio.Marido da cruel Jovita e pai da invejosa Graziela e da moça que deu o “mau passo” Luciana. São responsáveis pela casa em Belém,a dona Santa,mulher pobre,parteira de profisssão,irmã do coronel.Dona Dudu,costureira e filha de dona Santa e sobrinha do coronel Braulino.Alfredo é filho da negra dona Amélia,que tem uma queda pelo álccol e do pai letrado e branco major Alberto,que auxilia o coronel na administração da Intendência em Cachoeira.
O livro narra o primeiro dia de aula de Alfredo no ginasial.O fim da narrativa mostra Alfredo três dias depois voltando a escola e finda com ele ao término da aula,questionando que seria essa aula de hoje, a primeira aula de fato? E não a do primeiro dia. Não contaria o desastre do primeiro dia, a primeira manhã no Liceu? Já na rua interroga a si mesmo, voltaria para a José Pio para contar a primeira aula de “vera”,isto é, de verdade,ou “Sigo sem rumo ou vou na Ponte do Galo?” .
Voltamos ao início da narrativa. Assim começa o romance Primeira Manhã. Alfredo segue para sua primeira manhã no colégio.Vai a pé pela São João,cruza o Igarapé das Almas,Igreja de Santana,espia a missa,dobra-se perante a imagem do santo porteiro,o São Pedro,porém não beija o pé da imagem,pede ao santo que lhe abra as portas do colégio e da vida em Belém.Dobra na São Mateus e chega ao Largo do Quartel.Está atrasado,os alunos já entraram.No caminho pensava na história que nos oito dias em que ficou em casa sem ir a escola,pois não tinha uniforme e nem material,ouvira a narrativa pela voz da parteira dona Santa. Ela contou a triste sina da sobrinha Luciana,filha do coronel Braulino,que fora pedida em casamento pelo pastor Severino,lá em cachoeira. A mãe dona Jovita negou o pedido. O homem ficou revoltado e deu para rasgar páginas da Bíblia pelas águas da região.Luciana tinha o sonho de estudar o ginasial em Belém.No entanto sua mãe lhe pegou em pleno”mau passo”. Jovita lhe aplicou uma violenta surra,com direito a banho de sal no final. Ficou presa no cômodo das selas dos cavalos.Um raio matou dezesseis porcos e danificou parte do quarto-prisão.Ela fugiu. Dona Santa trouxe para Belém a desabençoada,porém a moça desapareceu sem deixar rastro.
No caminho para o colégio Alfredo pensa na jovem Luciana,na casa da José Pio que fora construída para a jovem estudar em Belém,”porém o mau passo”, a fez ser renegada pela família.
 Atrasado no horário, atrasado oito dias do início das aulas e atrasado na série,pois tinha dezesseis anos e iniciaria no primeiro ano ginasial,o correspondente a quinta série atual. Entra na sala e vai para o fundo da sala.Aula de química.Ele começa a pensar em muitas coisas(digressões), pouco no estudo ministrado. No final da aula é cercado pelos alunos da terceira série e na sequência foi expulso da sala e entregue a inspetora que lhe chamou atenção,pelo erro, pois assistira aula na turma do terceiro ano.
Já na turma do primeiro ano, Alfredo era bem maior que o restante dos alunos. Toca a campa, desce para o pátio pensando em fazer as tão imaginadas novas amizades.No entanto, recebeu o trote por ser calouro. Foge para fora do colégio.Sujo,rasgado e humilhado.O dinheiro do bonde que a pobre dona Santa lhe deu ,foi roubado. De volta para José Pio, mergulha em um diversificado fluxo de memória,enquanto caminhava,lembra dos quinze anos,sem dinheiro em pleno aniversário, lembra do Professor Benício, o professor moquém, do tio Sebastião envolvido com os revoltosos do Guamá, da doença de sua mãe dona Amélia,Andreza,Eunice e a primeira carta de amor de Alfredo que foi rasgada,Lúdica e o quase alguma coisa...
Já em casa, na José Pio, Dona Dudu costura a roupa de Alfredo,depois lavou o uniforme do menino.Ela lembra da prima Graziela,irmã de Luciana que não deixou o pai vender a casa da José Pio. A praga que Luciana jogou na sua irmã, a moça amanheceu finada.Quando Luciana deu o mau passo,sua mãe lhe queria marcar com o ferro do gado, o pai,o coronel que não deixou.Dona Dudu é filha da parteira,prima de Luciana e de Graziela.Dona Dudu também fala das órfãos que avô a parteira d.Santa trata com regalias.Alfredo pensou em abandonar o almoço que não lhe agradara,porém d.Dudu apareceu com a roupa e a farda limpa. Duas mulheres o chamam próximo ao matagal.São duas senhoras, ambas são primas, moradoras da José Pio. Elas pedem a companhia de Alfredo,pois principia a noite e desejavam encontrar os seus maridos.No entano durante grande parte do percurso o jovem desconhece o motivo daquela caminhada. Dona Abgail e falante,já a prima Ivaína é calada.Abgail lembra que a sua família já fora proprietária daquele terreno em que Alfredo estava morando.O seu avô era o rei das tripas. Viviam bem.Festas e comida farta com o dinheiro das vísceras. O avô tinha sentimentos de possível filha, ou desejo sexual pela empregada Deolinda. Os três vão atravessando os matagais, tudo escuro. Alfredo fica curioso para saber objetivo daquela caminhada. No entanto parece descobrir novas sensações, admirando o colo da desconfiada dona Ivaína e os braços de dona Abgail,a descoberta de novas sensações,sexualidade em nova etapa da vida,adolescência. Bairro da Pedreira, do Acampamento,promessa na igreja, terreiro do pai Raimundo e de repente as duas seguem pelo mato sem ao menos agradecer ao jovem Alfredo,por tão longa caminhada. Abgail atrás do marido Fernando e Ivaína atrás do touro, o marido que a estrupou na noite de núpcias. Ao usar a chave para abrir a porta,lembrou que a chave fora feita para Luciana. Depois do coronel que tinha a questão de terras para ser resolvida.Braziliana era uma mulata de um metro e oitenta,rodada,arisca na arte de envolver os homens. Mulher queaprontou muito na vida,que já fora amante do ex-governador,compadre do coronel Braulino. O coronel não lhe tinha em boa estima,porém ficou balançado quando ela ofereceu o número do telefone da taberna do seu Antonico,local que estava abrigada,mais precisamente em uma estreita porta lateral do estabelecimento comercial. Braziliana também criticou o poder das famílias dos Lobos,que segundo documentos, herdara da época das sesmarias,grande parte da cidade de Belém.
Alfredo a pedido do coronel vai a taberna do seu Antonico telefonar para o advogado doutor Gurgel.Braziliana diz ao Alfredo que estava mais do que na hora do coronel ficar viúvo.Desejava ser dona das cabeças de bois do coronel.Acabaria com a farra do advogado Gurgel que arrasta o caso das demarcações da terra contra os Texeiras,somente para sangrar o bolso do coronel.No entanto admirava o doutor por ter tirado sua esposa do cabaré Cristal,assim com coragem desfila pelos salões da sociedade com a dama,que já fora prostituta. O coronel diz a sua irmã, a velha parteira Santa,que está na hora de arrumar ocupação para as netas que já saíram do orfanato.Dona Dudu lembra que a mãe foi rigorosa na criação das filhas,sendo bastante diferente na criação das netas. Alfredo percebe o coronel com uma “teteia” na João Alfredo. As netas aparecem em casa.Ana foge para o rumo da rua,Alfredo vai buscá-la e a entrega a avó.Ela pega o vestido rosa e foge novamente.Dalila pede dinheiro a avó para comprar sabonete.Braziliana com chapeu e leque vai ao fisco,tentar remover as multas do desonesto Antonico.
Depois de três dias Alfredo regressa ao colégio.Assiste todas as aulas do dia.Matemática,Latim,Francês,Geografia.
Personagens
Alfredo- Rapaz de dezesseis anos,nosso protagonista.O enredo desenvolve-se a partir da narração,principalmente, do seu primeiro dia no novo colégio.O retorno ao colégio três dias depois. Era ginasiano,primeiro ano.Seu fluxo de memória é intenso.Lembra de Cachoeira e Moaná,seus pobres amigos que lá ficaram,que não teriam acesso a educação ginasial. As meninas quase namoradas ,que ficou para trás nessas duas cidades. Ficara muito impressionado com a história da jovem Luciana.A descoberta de um novo nível de sexualidade a partir das vizinhas senhoras Abgail e Ivaína.Tinha dúvidas e as vezes sentia-se inferiorizado no colégio, aquilo seria realmente para ele?
Coronel Braulino Amanajás Boaventura – Coronel era dono da fazenda Comonono,casado com a cruel Jovita. Pai de Luciana e Graziela.Tinha uma questão de terra no fórum de Belém que já durava anos,contra a família Teixeira. Era intendente de Cachoeira,porém era bronco,tosco para o trabalho administrativo e deixava essa parte para o major Alberto,que trabalhava no chalé de Cachoeira. O coronel apesar de pacato e de ter um vocabulário original ”delabeçõe” era “camuflado” mulherengo. Construíra a casa da José Pio para a filha mais nova,que era a preferida,o sonho da menina era fazer o ginásio em Belém.
Luciana - A jovem filha do coronel Braulino e da Jovita,dera “um mau passo” por isso foi severamente espancanda pela mãe. Sangrou e recebeu um banho de sal . Ficou presa nua no quarto-prisão,quando um raio caiu e matou de 16 porcos e quebrou parte do quarto-prisão. Ela fugiu.Depois a tia Santa,a parteira,irmã do coronel a trouxe para Belém.Ela fugiu e desapareceu. Ela desejava casar com o pastor Severino e sua mãe a impediu. O seu grande sonho era estudar o ginasial em Belém.
Andreza – Amiga de Alfredo que morava em Cachoeira,aparece apenas no plano da memória do rapaz. Ele lembrou do quase beijo que quando eram crianças quase aconteceu.
Dona Santa- Parteira,irmã do coronel Braulino. Foi a senhora que narrou o drama da jovem Luciana para o adolescente Alfredo. D. Santa tinha simpatia pela menina Luciana. Não gostava da cunhada Jovita e nem da sobrinha Graziela. Era mãe da costureita Dudu. Tratava com desvelo as netas órfas Ana e Dalila.O que irritava a filha Dudu.
Dona Dudu – Costureira, filha da parteira d.Santa,sobrinha do coronel Braulino.Era uma pessoa amarga,gostava das desgraças na famíla do coronel.Detestava Luciana,pois afirmava que a prima desaperecida jogou um praga na sua irmã e a irmã amanheceu morta.
Graziela – Irmã de Luciana,segundo d.Santa era invejosa,tinha inveja de Luciana. Queria aprender vários instrumentos, mais faltava talento, não era inteligente.
Abigail – Uma vizinha da José Pio. Mulher muito falante,junto com a prima Ivaína convidaram Alfredo para fazer a companhia a dupla,enquanto elas procuravam seus maridos.Seu avô foi o rei das vísceras no pasado. O terreno em que o coronel construiu a casa da José Pio,foi de sua família,os Juruemos. Procurava o marido Fernando, que estava provavelmente aprontado em algum cabaré. Alfredo fica interessado em seus braços.( sensualidade metonímica)
Ivaína – A prima de Abgail,calada,séria, o povo falava na José Pio, que o seu marido lhe estuprara na noite de núpcias e ainda a ferida não sarara. Alfredo ficara interessado em seu colo .( sensualidade metonímica)
Braziliana – Mulata de um metro e oitenta,já tinha sido mulher da vida, foi amante do ex-governador, o amigo do coronel. Era contrabandista e conhecia todo mundo no fórum e na alfândega.Morava no anexo da taberna do seu Antonico. Torcia para o coronel ficar viúvo, para ser a dona dos bois do coronel.
Antonico – comerciante desonesto,que roubava no peso e no preço.
Ana e Dalila – As órfas que viveram no orfanato. Agora viviam batendo pernas e aprontado pelas ruas. A avó dona Santa não enxergava a realidade,idealizava as netas. Para a revolta de dona Dudu.
Jovita – Cabocla do marajó,esposa do coronel,” A Jovita? Uma tapuia dura, feita de pau piquiá, aquele seu rosto amarrado, uma soberbia que carrega. Que se dissesse: é branca, nem é, (...)Mas, sim... Minha cunhada? Mansa na parecença, danada no seu oculto. Aquela? Analfabeta como eu, mas governando a casa como quem sabe ler, sem altear a voz, sem se mexer no assento. Da feita que a pessoa, perante ela, praticou uma falta, assim-assim que seja, pode contar, perdão não espere. É crua, soturna, enroscada. Não espere graça. Por outra parte, a filha atrás não fica. Nos olhos.” Ela surrou a filha Luciana,sem piedade,queria marcar a menina com o ferro quente de marcar o gado.
Dona Amélia - A negra dona Amélia, mãe de Alfredo que sempre sonhou vê o filho Alfredo doutor. Fazia esforço para manter o filho estudando na capital. Não era casada com o branco major Alberto, o pai de Alfredo.
Major Alberto – Pai de Alfredo,era advogado,porém pouco advogava,quando o fazia, geralmente não cobrava honorários. Morava no chalé em Cachoeira. O coronel era o indendente,porém quem resolvia tudo na intendência era o major Alberto.Era culto e tinha biblioteca em sua casa.
Celeste – Parente de d.Amélia,que falou para dona Dudu,que dona Amélia ficara lhe devendo da época em que Alfredo morou em sua casa, algum tempo atrás.Fato ocorrido no livro anterior,”Passagem dos Inocentes”
Severino- Pastor Severino que pediu em casamento Luciana,diante da negativa de dona Jovita,teria ficado louco,rasgando páginas da Bíblia.Jogou uma praga na família do coronel.
Professor Benício – Aparece no campo da memória,quando Alfredo tinha quinze anos, o procurou para ter aulas para o exame de admissão. Veterano com quarenta anos de magistério.Falou para Alfredo que letras e números são apenas letras e números. O difícil era a ciência do conhecimento feminino.
Doutor Gurgel – Advogado que a anos defendia o coronel na causa da disputa de terra,contra a família Teixeira. Segundo Brasiliana,doutor Gurgel sangrava o bolso do coronel, com essa causa interminável. Também segundo Brasiliana,a esposa do doutor era uma dama que frequentava os salões da sociedade,porém fora retirada da casa Cristal, ambiente de prostituição.
Algumas observações
1. A obra enquadra-se na Segunda Geração Modernista,geração regionalista,ou neorrealista. Personagem no cotidiano, sem idealizações
2. Alfredo representa o alter-ego do autor Dalcídio Jurandir. Realidade e ficção em cada frase,pelas ruas de Belém e nas memórias do Marajó.
3. Uma Belém da periferia,Telégrafo,Pedreira,,Acampamento que vai ao centro, o Liceu
4. O personagem Alfredo vive em um mundo cercado de mulheres,porém limitadas pela pobreza,ausência,ou baixa escolaridade,mulheres em torno,ou em busca de seus homens.
5. Parece que o professor Benício ao falar que números e letras ,são apenas números e letras e que a grande ciência da vida,estaria no mistério de entender as mulheres.Tenta apontar um caminho entre a vida prática, real e a vida acadêmica,distante baseada em uma cultura europeia.
Temática: Os primeiros dias do jovem Alfredo no colegial,descobertas e frustrações em um verdadeiro ritual de passagem do menino para o rapaz
Espaço: Ruas e bairros principais de Belém o Liceu e a casa da José Pio. No campo da memória Cachoeira e Muaná no Marajó
Tempo: cronológico,pois são os quatro primeiros dias do ginasiano
Enredo Linear: O enredo é linear,apesar de um intenso flash-backs,o rommance é lento,pois temos pouca ação e muita digressão.
Pontos Importantes
· A escola aparece como um local que não fora feito para ele.Sentia-se meio intruso, o menino pobre descedentes dos negros da areinha, da tão distante Cachoeira e tão presente Cachoeira em seu fluxo de memória. O menino da cor da água barrenta,em contraste com o confiante e abusado loiro do quinto ano.
· Alfredo sente-se representante de todos os seus colegas de Cachoeira,meninas e meninos que não teriam a chance de frequentar o ginásio.Nessa dualidade entre o orgulho de representar os humildes amigos do seu munícipio e a hostil recepção dos alunos ao ginasiano do primeiro ano
· Professores autoritários ministrando um conhecimento livresco,sem qualquer ponto de contato com esse menino amazônico. O professor de Geografia falava dos afluentes dos rios da Europa...
· A covardia denominada de trote,pois por falta do uniforme faltou os primeiros oito dias de aula. Foi esculachado no pátio e correu para frente do colégio,sendo perseguido pelos alunos” Todo o Ginásio sabendo que um tamanho caverna do primeiro ano, o calouro da roça, covardemente fugiu do trote devido.”
· Luciana a desabençoada,que deu mau passo,que levou uma surra de sua mãe, a insensível dona Jovita,que lhe deu tamanha surra e lhe deixou presa, nua em pelo, no quarto que guardava as selas dos cavalos.
· Luciana fora salva pelo raio,que matou dezesseis porcos e danificou sua prisão.Ela fugira. Tornou-se a renegada,mesmo sendo a filha caçula,outrora já tinha sido a preferida do coronel.
· A residência da José Pio em Belém, que fora construída para a moçinha e ela nunca conheceu. Agora o sensível e pensativo Alfredo estava no lugar da dasabençoada Luciana. Na casa que deveria ser da estudante Luciana.Sentia-se as vezes um pouco culpado,uma sensação de usurpar o espaço alheio.” No lugar da outra, aqui no Giná­sio, isto que não, que a casa é dela”
· Primeira manhã é um romance de pouca ação e muita digressão. O fluxo de memória é intenso,muitas vezes parece desordenado,marcado por muitas interrogações. No entanto esse vai e volta ao passado serve para dar consistência psicológica aos personagens. Assim entendemos suas atitudes no presente.
· Primeira manhã foi publicado em 1968,porém sua proposta estética,enquadra-se na Segunda Geração Modernista. O texto desenvolve dentro de uma ótica neorealista,baseado na análise psicológica e na crítica social. Personagens verdadeiros em sua composição,extraídos da vida, do cotidiano da cidade,como as duas muheres preocupadas com as traições dos maridos.
· Ivaína,Braziliana
· Assim como em Belém do Grão Pará que o ruir da casa dos Alcântara, aponta o caminho da decadência familiar. Agora é a falante Abigail que narra como a casa de seu avô, o rei do bucho,o imperador das vísceras, ficou em cacos ao desabar. Em cacos também ficou a família,cada um para o seu lado e sem o conforto e as festas do ontem.
· Alfredo descobre o despertar da sexualidade do menino homem, com as duas mulheres que tentavam achar os maridos que provavelmente farreavam com as “mulheres da vida”,naquela noite.
· O jovem Alfredo sente a mágica sedutora do colo da embotada Ivaína e os braços expostos da falante e mais dada Abigail.Um jogo de sedução,com direito a roçada de braço,olhares,toque nas mãos,o fechar dos colchetes do vestido de Abigail. Tudo isso envolto no mistério da noite,locais ermos e perigosos que passaram,frustrações com os maridos,muita imaginação do rapaz.”Duas senhoras lhe dão esta primeira vez de se portar como cavalheiro e nelas, ao mesmo tempo assim devagarinho, ir descobrindo, adivinhando o que ainda não via nas outras. Não, não é mais a Libânia nem Odaléa nem Andreza. Nem Esméia, negra quanto donzela alva de jasmins.”
· “murmurou d. Abigail cruzando os braços nus, sem dizer mais nada. À frente de Alfredo, parou, pediu-lhe, baixo: quer me prender esse colchete aqui nas costas, não lhe fazendo de meu criado? mas a entender que isso era só para cochichar-lhe: Aquela lá na frente vai que vai escumando,
· As questões de terra tanto no Marajó como em Belém. Na capital a familia Lobo parecia ser quase dona da cidade.No Marajó a briga entreo coronel Braulino e a família Teixeira.
· A crítica a Justiça,que só os poderosos serve. A crítica aos advogados através do doutor Gurgel,que a anos sangra o bolso do coronel Braulino com essa “questã” como pronunciava o coronel sua disputa na Justiça pela demarcação de suas terras.
· A ironia da vida “o Delabençoe, que abençoava tudo quanto fosse menino, moça e rapaz em Cachoeira, delabençoando a filha dele.”
Sincretismo religioso de d.Abigail “E alto aos santos pedia que salvassem o marido, nem um risco as duas corressem, abençoassem o caminho delas, em tão tamanha noite, e prometia uma cabeça de cera no Carro dos Milagres.” “Foi então que ouviu o tambor, na Pedreira, batiam babaçuê, d. Abigail cantarolou:
Mariana vem faceira
Ajurema...
Ajurema...
- Frequenta, d. Abigail?
- Então não fui uma noite?
- E hoje?
- Antes fosse, meu inocente, era mas acabou-se.
E d. Abigail se virou para a prima:
- E tu, Ivaína, queres te consultar no batuque do Raimundo Silva? Quem sabe o caruana não nos diz onde? O tambor não chama?”
· Crítica social” Os grandes, lei, justiça, direito, tudo do lado deles? Um dos Lobões não me sai lá da França, o outro não me sai de dentro das barraquinhas, varando até ver gente naquela posição pelos fundos do quintal nas privadinhas tapadas de folhas ou pelos banheiros devassados,
(...)
“Eles são uns bem altos, trajados de branco, falam línguas estrangeiras, e quando o vapor inglês vem da Inglaterra vão beber com o comandante. Muitos dados com o Arcebispo. Vitrais, mosaicos, na Basílica, deles, tem em quantidade. Um-um que é até bem gerado, que é, é, vi de perto) cheirando a charuto, a tão bom tratamento, a esse bom cheiro de senhores dons. Porém... Porém... eles e esta vala algum parentesco que tem, eu juro.”
  


( material organizado pelo Prof. Gil Mattos - apoiado em texto do Prof. Anderson Luiz )