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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O PRIMO BASÍLIO - Eça de Queirós



CONSIDERAÇÕES INICIAIS
      O livro inova a criação literária da época com uma crítica demolidora e sarcástica dos costumes da pequena burguesia de Lisboa. Eça de Queiroz ataca uma das instituições mais sólidas: o casamento. Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas geradas a partir de sentimen-tos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com motivações vulgares e medíocres – apesar de tudo isso, ao mesmo tempo em que ataca, desperta o interesse da sociedade lisboeta.
     Embora o adultério fosse tema já trabalhado pelo Romantismo, Eça de Queiroz explora o erotismo quando detalha a relação entre os amantes. Inova também ao incluir diálogos sobre homossexualismo. O autor, que já mostrara sua opção por uma literatura ácida e nada sentimental em O Crime do Padre Amaro, cria personagens fisicamente decadentes – cheios de doenças e catarros – e de comportamento sexual promíscuo.
     O Primo Basilio é uma obra naturalista e realista. A escola realista propõe uma criação literária apoiada na análise objetiva da realidade. O narrador aparece como um observador imparcial, que vê os acontecimentos com neutralidade e que domina as informações sobre o contexto no qual o enredo acontece. O Naturalismo traz uma preocu-pação a mais: tenta introduzir o método científico na obra literária e, com isso, intensifica e amplia as tendências básicas do Realismo.


O PRIMO BASÍLIO

Inova a criação literária da época com uma crítica
demolidora e sarcástica dos costumes da pequena
burguesia de Lisboa. Eça de Queirós ataca uma das
instituições mais sólidas: o casamento. Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas geradas a partir de sentimentos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com motivações vulgares e medíocres – apesar de tudo isso, ao mesmo tempo em que ataca, desperta o interesse da sociedade lisboeta. Embora o adultério fosse tema já trabalhado pelo Romantismo, Eça de Queirós explora o erotismo quando detalha a relação entre os amantes.
Inova também ao incluir diálogos sobre homossexualismo.
O autor, que já mostrara sua opção
por uma literatura ácida e nada sentimental em
O Crime do Padre Amaro, cria personagens fisicamente decadentes – cheios de doenças e catarros
– e de comportamento sexual promíscuo.
O Primo Basílio é uma obra naturalista e
realista. A escola realista propõe uma criação literária
apoiada na análise objetiva da realidade. O
narrador aparece como um observador imparcial,
que vê os acontecimentos com neutralidade e que
domina as informações sobre o contexto no qual o
enredo acontece. O Naturalismo traz uma preocupação a mais: tenta introduzir o método científico
na obra literária e, com isso, intensifica e amplia as
tendências básicas do Realismo.

CENÁRIO
O continente europeu passava por um
processo de transformação radical. A Revolução
Industrial iniciada no século anterior, na Inglaterra,
provocou uma industrialização acelerada em
vários países. As cidades cresciam rapidamente,
camponeses transformavam-se em operários urbanos
e a vida cultural ia se diversificando. Londres,
Berlim, Viena e principalmente Paris eram os centros
de um vigoroso processo criativo. Enquanto
isso, Portugal mantinha-se apegado às glórias do
passado. O país não chegou a desenvolver uma
burguesia empreendedora e capitalista, nem uma
elite intelectual significativa que fizesse desenvolver
as artes e as ciências. A elite de Lisboa vivia
apegada às glórias coloniais passadas. De costas
para o futuro, vivia centrada em sua vida sem
perspectivas.
Eça de Queirós faz parte de uma geração
de jovens intelectuais, centrada em Coimbra, que
reagem contra o atraso do país. Eles criticam o
Romantismo como um sinônimo desse atraso. E
com seus Realismo e Naturalismo pretendem incorporar à Literatura os métodos científicos próprios
das ciências naturais. O autor disseca essas
deformações da sociedade lusitana e explica sua
fonte de pesquisa e inspiração neste trecho de uma
carta enviada a Teófilo Braga, seu amigo e colega,
também um doutrinário do Naturalismo e futuro
presidente da República portuguesa.

ENREDO
O pano de fundo da narrativa de O Primo
Basílio é um caso de adultério. Já no primeiro capítulo, o autor lança as sementes do conflito que dá
pretexto para o livro. Descreve o marido que viaja,
contrariado, a trabalho; a esposa que descobre que
o primo e ex-noivo revisita a cidade e as lembranças
que a notícia evoca. Introduz a criada Juliana,
ressentida e frustrada, que terá um papel decisivo
no desfecho trágico do romance.
No segundo capítulo, o autor apresenta as
figuras secundárias, enfocadas durante breves
visitas dominicais à casa de Luísa e Jorge. A relação
amorosa clandestina mantida por Luísa e Basílio
é descoberta pela criada que, de posse de uma
carta dos amantes, chantageia a patroa. Abandonada
pelo amante, que foge para Paris, Luísa não
suporta a tensão e morre.


PERSONAGENS
Os personagens que recheiam a obra de
Eça de Queirós na sua fase naturalista, como em O
Primo Basílio, são planos, ou seja, são o oposto dos
personagens de grande intensidade interior e psicológica
– os personagens esféricos. Na Literatura
brasileira, Capitu (Dom Casmurro), de Machado
de Assis, cheia de sentimentos complexos, é a mais
esférica de nossos personagens femininos. Em O
Primo Basílio, toda a intensidade é reservada para
a trama. Os personagens apenas são por ela envolvidos e arrastados. Ou seja, a realidade objetiva é que molda e define a vida dos homens.


Luísa, uma burguezinha da Baixa
Na descrição que o próprio Eça de Queirós
faz na carta a Teófilo Braga, Luísa é "a burguezinha
da Baixa" (Lisboa, Cidade Baixa): uma senhora
sentimental, mal-educada, sem valores espirituais
ou senso de justiça. É lírica e romântica, ociosa e
"nervosa pela falta de exercício e disciplina moral".
Luísa é esposa de Jorge, engenheiro de minas que
ela conheceu após o abandono e rompimento (por
carta) do noivado com o primo Basílio. Sua vida
tranqüila de leitora de folhetins é alterada pela
viagem domarido e o retorno do primo a Portugal.
O motivo que a leva a se entregar a Basílio,
de acordo com as reflexões de Eça, nem ela sabia.
Uma mescla da falta do que fazer com a "curiosidade
mórbida em ter um amante, mil vaidadezinhas
inflamadas, um certo desejo físico...".


Basílio, um maroto sem paixão
O primo e ex-noivo que retorna a Portugal
na ausência do marido de Luísa é para Eça de
Queirós "um maroto, sem paixão nem a justificação
de sua tirania, que o que pretende é a vaidadezinha
de uma aventura e o amor grátis".
Malicioso e cheio de truques para atrair a
amante explorando a sua vaidade fútil, Basílio
compara a fidelidade conjugal a uma demonstração
de atraso das mulheres de Lisboa frente aos
hábitos supostamente liberais e modernos das
senhoras de Paris – todas com seus amantes, conforme
assegurava o primo.
Desprovido de charme ou atributos mais
sedutores, é o mais cínico dos personagens "conquistadores" de Eça de Queirós. Em momentos de
maior dramaticidade, quando começam a enfrentar
as conseqüências do adultério, o cinismo de
Basílio fica mais evidente: ele pensa apenas que
teria sido mais vantajoso trazer consigo uma amante
de Paris.

Juliana: ódio e chantagem
A criada Juliana faz desmoronar o mundo
de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. É a
figura que aparece com alguma intensidade interior,
destoando um pouco das razões fúteis que movimentam
os demais personagens.
Ela é conduzida pela revolta (não suporta
sua condição de serviçal), pela frustração (fracassou
na tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso
contra a patroa (ódio, na verdade, contra
todas as patroas que a fustigaram por 20 anos).
Assim como Basílio, Juliana tentará tirar
proveito das circunstâncias, reunindo provas do
adultério para fazer chantagem. Mas ela pretende
mais do que dinheiro – que exige sem sucesso de
Luísa –, ela quer a desforra. E os recursos que utiliza
levarão ao definhamento físico e emocional da
patroa até o desfecho da história.




Jorge, o marido traído
Todo o drama iniciado com o roubo das
cartas se deve à tentativa de Luísa de impedir que
Jorge saiba do adultério. Com aparições curtas no
romance, sua presença se faz sentir pelo papel
social que representa: é o marido. E a forma como
poderá reagir à infidelidade é especulada pelo
narrador por meio de outro personagem, de forma
metalingüística. Ernestinho Ledesma, autor medíocre
que prepara uma peça teatral sobre um caso
de adultério, pede a Jorge uma opinião sobre o
final de sua obra. Um marido deve matar a mulher
adúltera?

Personagens secundários

Os personagens secundários completam o
quadro social lisboeta. O Conselheiro Acácio, freqüentador do círculo próximo de Luísa, um dos
mais citados e conhecidos personagens de Eça, é o
intelectual vazio. Sua habilidade em dizer o óbvio
com empáfia deu origem à expressão "verdades
acacianas". Joana é a cozinheira que enfrenta Juliana
por dedicação à patroa; Dona Felicidade é a de
"beatice parva de temperamento irritado". E também
há, "às vezes, quando calha, um pobre bom
rapaz" – Eça refere-se a Sebastião, que se propõe a
recuperar as cartas tomadas pela criada. Na carta a
Teófilo Braga, Eça assegura: "Eu conheço 20 grupos
assim formados. Uma sociedade sobre essas falsas
bases não está na verdade: atacá-las é um dever".




ESTILO E LINGUAGEM

A obra de Eça adapta o texto literário ao
ritmo e à modulação da língua falada. Assim, rejuvenesce
a linguagem literária, mesclando-a com
recursos de abordagem mais próximos do jornalismo.

Detalhismo

É notável o esmero detalhista do autor na
descrição de uma confeitaria, neste trecho extraído
do capítulo IV, em que combina elementos gerais e
particulares, objetividade e subjetividade.

Fotografia lírica dos ambientes

Eça resgata a dimensão da prosa poética
na "fotografia" meticulosa e lírica que faz dos ambientes.

Visão crua dos personagens

O narrador na terceira pessoa é onisciente.
Eça deixa a vulgaridade de Basílio transparecer
nos comentários que o primo faz sobre suas viagens
e nos galanteios à prima, mas prefere descrever a cafajestice do conquistador retratando os
pensamentos grosseiros de Basílio.
A combinação da leveza e do brilho das
descrições com o relato grosseiro da realidade é
outra marca estilística de Eça de Queirós. Ele opõe
a expectativa romântica de Luísa e a ironização de
suas idealizações ao descrever as atitudes grosseiras
do amante Basílio. Bem ao gosto do Naturalismo,
compara seres humanos com animais dominados
por seus instintos, definindo a criada Juliana
como uma loba.



ESTUDO CRÍTICO DE UM DOS EIXOS DA OBRA
O fato de o livro O primo Basílio tratar, dentre outros assuntos, da relação dominadores e dominados, fato percebido na relação entre Luísa e Juliana, foi o que levou-me a escolhê-lo para este artigo, a fim de mostrar que o oprimido, levado pela revolta de ser submisso e subjugado, utiliza, ás vezes, de meios que vão de encontro à ética e aos bons costumes, para conseguir a tão sonhada ascensão social, isto é, a passagem do mundo dos dominados para o mundo dos dominadores.  
Diante disso, esse artigo visa estudar o romance O primo Basílio, de Eça de Queirós, a partir da luta de classes; pesquisar as relações socioeconômicas (dominadores e dominados) e; identificar os meios utilizados pelo quarto poder (Povo) na luta pela ascensão social em O primo Basílio.
            Para tal, esse artigo está dividido em três partes assim intituladas: O primo Basílio: um romance realista/naturalista; Das relações entre dominadores e dominados em O primo Basílio e; Juliana: de dominada à dominadora.
 A primeira parte apresentará inicialmente uma breve análise do realismo, ressaltando as características realistas presentes em O primo Basílio. Posteriormente, será apresentada uma fundamentação teórica em torno do tema relações socioeconômicas entre dominadores e dominados, tomando por base diferentes autores.
A terceira parte apresentará uma análise do livro O primo Basílio, onde será ressaltado o efeito boomerang da personagem Juliana para com a personagem Luisa, ilustrando, com fragmentos do livro, o uso de meios coercivos pela personagem Juliana, com a finalidade de passar de dominada à dominadora, visando apenas à ascensão social.
O PRIMO BASÍLIO: UM ROMANCE REALISTA/NATURALISTA
            De acordo com Massuad Moisés (1972), os realistas reagiram de forma violenta e contrária ao Romantismo. Ao contrário do Romantismo, o Realismo pregava a filosofia da objetividade. O foco de interesse era o objeto, ou seja, aquilo que está fora do indivíduo, o “não-eu”.
            Para tal, os realistas concentram-se no objeto e tinham de destruir a sentimentalidade e a imaginação romântica com vistas à realidade objetiva: a razão ou a inteligência. Nesse sentido, pode-se dizer que o realismo tinha como característica o racionalismo, uma vez que os realistas procuravam ser racionais na visão do objeto e na busca da verdade impessoal e universal.
            Em relação à arte, o realismo funcionava como um espelho da sociedade burguesa do tempo que se via patenteada da sua larga e profunda descomposiçao moral. Como obra de ataque, o realismo satisfazia-se em mostrar o mal sem lhe dar remédio, salvo o que ia implícito na análise, que era o fato de deslocar a classe burguesa da hegemonia social
O romance passa a ser, no Realismo, obra de combate, arma de ação reformadora da sociedade burguesa dos fins do século XIX. Transforma-se em instrumento de ataque e demolição, por um lado, e de defesa implícita de ideais filosóficos e científicos, por outro. (MOISÉS, 1972, p. 234).
Visando a destruição do pensamento romântico, o romance realista/naturalista mostrou que a burguesia, o clero e a monarquia, poderes sobre os quais se apoiava o estilo de vida no romantismo, não tinham forças suficientes para resistir às novas descobertas científicas e filosóficas da segunda metade do século XIX.
O período realista/naturalista foi marcado pelo desejo de redefinir as relações entre literatura e sociedade, no sentido dos leitores tomarem consciência de uma realidade que muitos não queriam ou não podiam ver. O escritor realista/naturalista tinha por função revelar as regras, os problemas, os comportamentos e o funcionamento inadequado da sociedade.
Para pôr a mostra o declínio completo da instituição burguesa, os realistas atacaram de frente o seu núcleo; o casamento, trazendo nu as misérias que o destroem como alicerce da burguesia, misérias essas condensadas no adultério, tornando lugar comum elegante. (MOISÉS, 1972, p. 235).
Nesse sentido, os realistas mostram que o pensamento burguês se funda na luxúria, no conforto material trazido pelo dinheiro ou convenções sociais, o que implica na destruição do casamento pelo adultério. 
Segundo Massuad Moisés (1972), Eça de Queirós adere à teoria realista a partir de 1871, quando passa a escrever obras de combate as instituições vigentes (monarquia, clero, burguesia) e de ação e reforma social. Com O Primo Basílio, Eça faz a análise de uma família pequeno-burguesa e sonda as moléstias degenerescentes no centro nelvrágico da nação e penetra no recesso de um lar burguês “sólido e feliz”, e descobre a existência de igual podridão moral e física: o casamento deixava-se atingir mortalmente pelo adultério. Nesse sentido, Eça denuncia o adultério como conseqüência nefasta da literatura romântica lida por Luisa.
Eça de Queirós definiu o Realismo como uma base filosófica para todas as concepções de espírito - uma lei, uma carta de guia, um roteiro do pensamento humano, na eterna região do belo, do bom e do justo. Para ele, o realismo é a crítica do Homem para condenar o que houver de mau na nossa sociedade. É não simplesmente o expôr (o real) minudente, trivial, fotográfico, mas sim partir dele para a análise do Homem e sociedade.  
          As características gerais do Realismo são: a análise e síntese da realidade com objetividade, em oposição à subjetividade romântica; exatidão, veracidade e abundância de pormenores, com o retrato fidelíssimo da natureza; total indiferença perante o "Eu" subjetivo e pensante perante a natureza (o "Eu" romântico); neutralidade de coração perante o bem e o mal, o feio e o bonito, vício e virtude; análise corajosa de vícios e podridão da sociedade; relacionamento lógico entre as causas desse comportamento (biológicas ou sociais, e a natureza interior e exterior da personagem); admissão de temas cosmopolitas na literatura; uso de expressões simples e sem convencionalismos (por oposição ao tom declamatório romântico).
É importante ressaltar que o Naturalismo difere do Realismo, mas não é independente dele. Ambos crêem que a arte é a representação mimética e objetiva da realidade exterior. Foi a partir desta tendência geral para o Realismo mimético que o Naturalismo surgiu, sendo por isso muitas vezes encarado como uma intensificação do Realismo. As características principais são: tentativa de aplicar à literatura as descobertas e métodos da ciência do séc. XIX (filosofia, sociologia, fisiologia, psicopatologia, etc), tentando explicar as emoções através da sua manifestação física (apresenta, assim, mais razões científicas do que o simples descrever dos fatos do Realismo); resultou muitas vezes na escolha de assuntos mais chocantes (alcoolismo, jogo, adultério, opressão social, doenças, as suas causas e conseqüências).
Eça de Queirós, “maior nome do Naturalismo em Portugal” (ELIA, 1971, p. 279), foi um impiedoso crítico da sociedade portuguesa, que era representada, de acordo com seu pensamento, pelo mundo burguês, sentimental e explorador. Eça, como crítico, muitas vezes impiedoso, da sociedade portuguesa, sentiu a necessidade de reformas sociais, por isso, a tudo moralizou.
Eça deixa transparecer que escreve com o objetivo social, ao atacar a família lisboeta, que para ele é produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem e, ao atacar a pequena burguesia, através de um grupo social alicerçado em falsas bases no meio da transformação moderna.
O Primo Basílio é um de seus livros mais polêmicos, visto que ele tematiza o adultério, tema tabu no romantismo, mas um dos preferidos dos realistas/naturalista. O livro é uma crítica profunda aos padrões burgueses e tenta demonstrar, a todo o momento, as características maléficas dessa classe, sobretudo a lisboeta.

DAS RELAÇOES ENTRE DOMINADORES E DOMINADOS EM O PRIMO BASÍLIO DE EÇA DE QUEIRÓS.
            Segundo Darcy Ribeiro (1995), as classes ricas e as pobres se separam uma das outras por distâncias sociais e culturais quase tão grandes quanto as que medeiam os povos distintos. Essas diferenças sociais são remarcadas pela atitude de fria indiferença com que as classes dominantes olham para o depósito de miseráreis, de onde retiram a força de trabalho de que necessitam.
            Para Marx (apud MEKSENAS, 2001, p. 84), “sociedade organiza-se de modo a dar origem a duas classes sociais: os burgueses e os trabalhadores”. Os primeiros são considerados compradores da força de trabalho, enquanto os segundos são os que nada têm, além de sua capacidade de trabalhar, a qual vende ao burguês em troca de um “salário”.
            Ainda segundo Marx (apud MEKSENAS, 2001) essas duas classes relacionam-se de modo a criar um conflito, o que é percebido se nos atentarmos ao fato de que a burguesia nunca paga ao trabalhador um salário condizente à sua força de trabalho, visto que os trabalhadores são condenados a se alimentarem mal, a se vestirem mal, a morar em péssimas condições e a ter uma saúde deficiente, como é o caso de Juliana em O primo Basílio. “O trabalhador, por sua vez, luta por sua saúde: por arrancar mais um par de horas de descanso por dia, nas quais poderá sentir-se humano, e não um animal nascido para trabalhar, comer e dormir” (MEHRING, 2003, P. 23). 
            Assim, a classe dominadora, detém, graças ao apoio da classe dominada, o poder efetivo sobre a sociedade, e a classe dominada, por sua vez, são os excluídos, os “pré-destinados” a viverem a margem da sociedade.
            Em contrapartida, Darcy Ribeiro afirma que para que os dominados tenham perspectivas de integrar a vida social rompendo toda a estrutura de classes, cabe a classe oprimida “o papel renovador da sociedade como combatente da causa de todos os outros explorados e oprimidos” (RIBEIRO, 1995, p. 210).

Marx atribui aos trabalhadores a condição de classe revolucionária, quer dizer, aquela classe que pode contribuir para a construção de uma nova sociedade sem explorados nem exploradores, por sua capacidade de se organizar e de lutar por seus direitos.(MARX apud MEKSENAS, 2001, P. 86).
            Entretanto, é mister ressaltar que a classe dos oprimidos não é homogênea. No interior da classe trabalhadora existem diversas divisões que podem dificultar a união dos trabalhadores em função de uma luta em comum. A exemplo, pode-se citar Juliana e Joana, as duas empregadas domésticas em O primo Basílio. Enquanto Juliana não se conformava com a vida que lavava e queria ascender financeiramente, Joana acreditava que a vida sempre foi e sempre seria daquela forma, restando a ela apenas a fidelidade e a amizade a sua patroa.
            Nesse sentido, Joana ao contrário de Juliana, possui uma visão de mundo acrítica e passiva, uma vez que aceita a exploração como sendo algo natural que sempre existiu e sempre existirá. Nessa perspectiva afirma Tânia Quintaneiro:
O trabalho produtivo acaba por tornar-se uma obrigação para o proletário, o qual, não sendo possuidor dos meios de produção, é compelido a vender sua atividade vital que não é para ele mais do que um meio para poder existir. Ele trabalha para viver. (QUINTANEIRO, 2002, p.52).
                Juliana, ao contrário, reconhecia-se como explorada e quando o oprimido percebe-se como submisso e subjugado e a partir de então começa a lutar por uma transformação, pode-se dizer, que nesse momento, começa a luta de classes. O oprimido lutando por um papel participante e legítimo na sociedade, ou seja, por uma vida melhor e; o a burguesia lutando para manter a hegemonia sobre a classe oprimida.
            Esse fato é claramente percebido em O Primo Basílio visto que o quarto poder (povo), representado por Juliana, insurge contra o segundo poder (burguesia) representado por Luísa, o que vai resultar numa luta de classes pautada na troca de papéis, quem começa mandar é a criada.
E desde esse dia Juliana saboreava com delicias, com gula, muito consigo – aquele gozo de ater “na mão”, a Luisinha, a senhora, a patroa, a piorrinha! [...]. Aquilo dava-lhe um orgulho perverso. Sentia-se vagamente dona da casa. Tinha ali fechada na mão a felicidade, o bom nome, a honra, a paz dos patrões! Que desforra! (QUEIRÓS, 1997, p. 247).
            Nesse sentido convém citar Tânia Quintaneiro quando afirma: “É por meio da luta de classes que as principais transformações estruturais são impulsionadas, por isso ela é dita “o motor da história”. A classe explorada constitui-se assim no mais potente agente de mudança. (QUINTANEIRO, 2002, p. 43)
            Dessa forma, em O primo Basílio, temos de um lado Luísa (burguesia), mulher ociosa que passa os dias lendo romances românticos e do outro Juliana (povo), uma criada amarga que pretende a nível individual, reverter o processo de exploração recusando-se a continuar sendo explorada e subjugada.
            Para tal, Juliana baseia-se na luta pela ascensão financeira, livre dos limites “impostos” pela ética e pelos bons costumes. Para ela os valores só são úteis até que sejam extremamente necessários para alcançar seu objetivo.
            Nesse sentido, convém fazer alusão ao pensamento de Max Weber em relação a ação do indivíduo, que no caso específico de Juliana é uma ação classificada como  racional com ralação a fins, visto que para atingir seu objetivo, ela lança mão dos meios necessários ou adequados para conseguir alcançá-lo.

A questão para o agente que visa chegar ao objetivo pretendido recorrendo aos meios disponíveis é relacionar entre estes os mais adequados. A conexão entre fins e meios é tanto mais racional quanto mais a conduta se dê rigorosamente e sem a interferência perturbadora de tradições e afetos que desviem seu curso.(QUINTANEIRO, 2002, p.116).
Assim, para Juliana os fins justificam os meios e por isso ela usa de todas as “armas” possíveis e cabíveis para alcançar o seu objeto de desejo, o que resulta na busca do TER em detrimento de SER.
JULIANA: DE DOMINADA À DOMINADORA
            Segundo Reinaldo Dias (2000), é a posição social do indivíduo que determina o comportamento ou o papel do indivíduo, estabelece normas de conduta para serem seguidas, fixa direitos e obrigações, torna as pessoas objeto de dominação ou de recriminação. A relação entre as pessoas é determinada primeiramente por seu status.
            Para ele, o que caracteriza o status é um modo de vida, uma maneira de consumir, de morar, de vestir-se, e uma certa forma de educação no sentido mais amplo da palavra.
            Percebe-se, então, que a sociedade é dividida, de um lado por uma situação de status que implica na dominação, no poder, evidenciado pelo prestígio e honra; e do outro por uma situação de status baseado na submissão e na pobreza. Há, assim, a existência de classes que estão em permanente oposição o que indica a existência de opressores e oprimidos.
            Entretanto, quando os grupos têm consciência de suas divergências, existindo entre eles a rivalidade, estabelece-se, então, o conflito, que segundo Dias (2000, p. 93) “é um processo pelo qual pessoas ou grupos procuram recompensar pela eliminação ou enfraquecimento dos competidores”.
            No romance O primo Basílio de Eça de Queirós, percebe-se que o ficcionista utiliza a personagem Juliana (povo) como superfície de contraste à personagem Luisa (burguesia), porquanto parece representar a classe oprimida e sofredora dos criados de servir em litígio com os privilégios patronais.
[...] odiou, sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril. [...] odiava a todas, sem diferença. É patroa e basta! [...] cada riso delas era uma ofensa à sua tristeza doentia; cada vestido novo uma afronta ao seu vestido de merino tingido.Detestava-as na alegria dos filhos e na prosperidade da casa. Rogava-lhes pragas. (QUEIRÓS, 1997, p. 77 – 78).
            Assim, O primo Basílio nos remete a uma leitura sociológica na medida em que ficcionaliza estratos sociais, fato claramente percebido nesse fragmento:
[...] tenho passado anos e anos a ralar-me! Para ganhar meia moeda por mês, estafo-me a trabalhar, de madrugada até à noite, enquanto a senhora esta de pânria! [...] Há um mês me ergo com o dia, pra meter em goma, passar, engomar! [...] E a senhora, são passeios, tipóias, boas sedas, tudo o que lhe apetece.(p.268).
            Pode-se perceber no fragmento, que temos de um lado, a burguesia, corrupta e sonolenta na mulher ociosa alimentada por romances românticos; e do outro, o povo representado por Juliana, criada subjugada que pretende a todo custo reverter a situação de opressão e dominação.
            No romance aludido, Juliana é retratada como uma mulher que servia há vinte anos e durante esse tempo vivia a dormir em cacifros, a levantar-se de madrugada para trabalhar como uma escrava até à noite, obrigada a comer restos e a vestir trapos. Entretanto Juliana nunca se acostumava a servir, sua ambição, desde nova, era ter um negócio onde pudesse mandar, ou seja, ser patroa.
            Juliana detestava patroas e a vida que levava, desde que servia percebia a hostilidade com que era tratada. Tornou-se amarga, repugnava as mazelas a que era submetida e queria a qualquer custo livrar-se dessa vida.
            Dessa forma, percebe-se que o passado de Juliana justifica todo o ódio e o azedume que nutre contra todos, sobretudo sobre Luísa, sua patroa.
E a cada dia detestava mais Luísa. Quando pela manhã a via arrebicar-se, perfumar-se com água-de-colônia, mirar-se ao toucador cantarolando, saia do quarto porque lhe vinham venetas de ódio, tinha medo de estourar! Odiava-a pelas toilettes, pelo ar alegre, pela roupa-branca, pelo homem que ia ver, por todos os seus regalos de senhora. (QUEIRÓS, 1997, p. 198).
            Para reverter toda a situação de submissão e humilhação, Juliana vivia em busca de um segredo, por menor que fosse, via nisso uma possibilidade de melhores dias de vida, por isso tinha um modo de andar ligeiro e surpreendedor. “Qualquer carta que vinha era revirada, cheirada... Remexia sutilmente em todas as gavetas abertas; vasculhava em todos os papéis atirados. [...] andava a busca de um segredo, de um bom segredo!” (p. 79).
Ao descobrir a traição de Luísa, a criada Juliana intercepta algumas das cartas amorosas da patroa e passa a ver nelas a conquista do seu objeto de desejo: a tão sonhada ascensão financeira e passa, a partir de então, a chantagear Luísa em troca de seiscentos mil réis. – Ao inferno! – ou me dá seiscentos mil-réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu marido há de ler as cartas! (p.268).
À Juliana, a criada, uma imagem indelével da exploração e do sofrimento, caberia como sempre coube, pagar a conta, trabalhar dobrado para compensar o dispêndio da aventura. Mais é nesse ponto do romance que percebe-se a transformação social, de dominada Juliana passa a ser dominadora. Em vez de pagar, Juliana, do seu lugar social desprivilegiado, irá cobrar a conta da imprudência de Luísa. Cobrança de uma conta antiga, pautada na humilhação e exploração.
“[...] uma criada! A criada é o animal. Trabalha se pode, se não rua, para o hospital. Mas chegou-me a minha vez – e dava palmadas no peito, fulgurante de vingança. – quem manda agora, sou eu!” (p.269).
De posse das cartas, Juliana entra a exercer tirânico e vingativo domínio sobre Luisa, que adoece de morte. [...] a Juliana sempre na rua, ou metida no quarto a trabalhar para si, sem se importar, deixando tudo ao deus-dará, e a pobre senhora a varrer, a passar, a emagrecer! (p. 340).
  Assim como Basílio, Juliana tentará tirar proveito circunstâncias, reunindo provas do adultério para fazer chantagem. Mas ela pretende mais do que dinheiro - que exige de Luísa sem sucesso; ela quer a desforra. E os recursos que utiliza levarão o definhamento físico e emocional da patroa, até o desfecho da história.
            Pode-se perceber, então, que para Juliana os valores só são úteis até que sejam extremamente necessários para alcançar seu objetivo e para tal, usaria de qualquer arma.

Juliana bem alojada, bem alimentada, com roupa fina sobre a pele, colchões macios, saboreava a vida; o seu temperamento adoçara-se naquelas abundancias.[...] E no meio daquela prosperidade – Luisa definhava-se. Até onde iria a tirania de Juliana? (QUEIRÓS, 1997, p. 310).

Sobre esse prisma, convém citar as idéias de Fanon (2004) quando ele afirma que a questão da violência do subjugado justifica a utilização de meios violentos para derrubar o dominador e vê na violência uma práxis totalizante que liberta o oprimido de suas alienações.  
            Para Fanon, “o colono criou o colonizado e é este que está fadado a destruí-lo, libertando-se e libertando-o” (apud CABAÇO, 2004, p. 73). Segundo ele, a revolta violenta do oprimido é a única tentativa realmente eficiente no caminho da libertação.
[...] se os amos tinham um dia de contrariedade, ou via as caras tristes, cantarolava todo o dia em voz de falsete a Carta AdoradaI! [...] Todos os lutos a deleitavam e sob o xale preto, que lhe tinham comprado, tinha palpitações de regozijo. Tinha visto morrer criancinhas, e nem a aflição das mães a comovera. (p. 78).
            A criada Juliana faz desmoronar o mundo de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. Ela se conduz pela revolta (não suporta sua condição de serviçal), pela frustração (fracassou na tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso contra a patroa (ódio, na verdade, contra todas as patroas que a escravizaram por 20 anos). “[...] A ama era para ela o Inimigo, o Tirano. Tinha visto morrer duas, - e de cada vez sentira, sem saber por quê, um vago alívio, como se uma porção do vasto peso, que a sufocava na visa, se tivesse desprendido e evaporado!” (p.78).
Nesse sentido Fanon (2004) defende o temido efeito boomerang do oprimido para com o opressor, o qual baseia-se no fato de que a violência que o colonizado sofrera deve voltar-se contra o colonizador, deve tornar-se contra-violência na recuperação da dignidade humana do colonizado. “Juliana pôs-se a olhar para ela do alto, triunfando[...] Uma alegria extraordinária acendia-lhe o olhar. Vingava-se! Fazia-a chorar![...]” . (p. 269).
            Dessa forma, pode-se afirmar que todos os meios utilizados pela personagem Juliana não podem ser considerados atos insanos, mas ferramentas para a resolução de conflitos como afirma Fanon (2004 p.69): “o homem colonizado liberta-se em e pela violência”.
Prosperava, com efeito! Não punha na cama senão lençóis de linho. Reclamara colchões novos, um tapete para os pés da cama, felpudo! Os sachets que perfumavam a roupa de Luísa iam passando para a dobra das suas calcinhas. Tinha cortinas de cassa na janela, apanhadas com velhas fitas de seda azul; e sobre a cômoda dois vasos da Vista Alegre Dourados! Enfim um dia santo, em lugar de cuia de retrós, apareceu com um chignon de cabelos! (p. 308).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Primo Basílio é o romance de maior êxito de Eça de Queirós.
Em parte, o sucesso é devido ao naturalismo de suas cenas eróticas. No entanto, três outros grandes méritos devem ser atribuídos ao romance: primeiro, a visão crítica da pequena burguesia lisboeta, cujo alvo é a família, produto de namoros insólitos e da educação romântica da mulher, entregue a sonhos idealizados e ao ócio. O segundo mérito do livro está na montagem do enredo, construído a partir de uma lógica bem norteada que contribui para a criação de uma atmosfera tensa.

O mérito principal, no entanto, é a perfeita elaboração de personagens secundários, entre os quais se destaca Juliana, personagem de padrões naturalistas, construída para provar que os fins justificam os meios. O enredo não vai além de um caso banal de adultério (Luísa e Basílio), que atinge proporções mais amplas quando ameaçado pela chantagem da criada Juliana, o caráter mais completo e verdadeiro do livro.
Nesse sentido, convém fazer alusão a Massuad Moisés quando ele afirma: “Embora personagem secundária, Juliana concentra em si a causa dramática do conflito central dO Primo Basílio, e acaba encarnando uma das mais vivas e expressivas criações de Eça de Queirós( MOISÉS, 2004, p. 357).
Perceber-se, então, no romance um caráter sociológico, pois além de apresentar diferentes estratos sociais, Eça mostra ainda o conflito entre classes, ou seja, os meios que o oprimido é capaz de usar para livrar-se da opressão.
            Assim, convém afirmar que O primo Basílio é uma crítica profunda aos padrões burgueses. Além de tentar demonstrar, a todo o momento, as características maléficas dessa classe, sobretudo a lisboeta.
            Nesse sentido, vale ressaltar que Eça de Queirós é apontado como o autor que apresenta como principal forma de expressão o romance social, psicológico e de tese. O romance de Eça tornar-se meio de crítica às instituições, à hipocrisia burguesa, à vida urbana, à religião e à sociedade, interessando-se pela análise social, pela representação da realidade circundante, do sofrimento, da corrupção e do vício.
REFERÊNCIAS:
CABAÇO, José Luís e CHAVES, Rita. Frantz Fanon - Colonialismo, violência e identidade cultural. In: ABDALA, Júnior. Margens da Cultura: mestiçagem, hibridismo & outras misturas. São Paulo: Boitempo, 2004. 67-85.

DIAS, Reinaldo. Fundamentos de Sociologia Geral. 2ª ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Alínea, 2000.

ELIA, Silvio.  Língua e Literatura. 4ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1991. p. 278-282.

FORACCHI, Marialice Mencarini & MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: Leituras de introdução à sociologia. 23ª tiragem. Rio de Janeiro: LTC, 1994.

MEHRING, Franz. O Capital. In: BENJAMIN, César (org). Marx e o socialismo. 1ª ed. São Paulo: Expressão popular, 2003. p. 11-57.

MEKSENAS, Paulo. Aprendendo sociologia. A paixão de conhecer a vida. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2001.

MOISÉS, Massuad. A Literatura Portuguesa. 10ª ed. Revista e aumentada. São Paulo: Cultrix, 1972.

MOISÉS, Massuad. A Literatura Portuguesa através dos textos. 29ª ed. São Paulo: Cultrix, 2004.

QUINTANEIRO, Tânia (org). Um toque de clássicos. 2ª ed. revista e ampliada. Belo Horizonte, UFMG, 2002.

[1] Edição utilizada: QUEIRÓS, Eça. O primo Basílio. Rio de Janeiro: Klick – especial para o jornal O Globo, 1997.




Este material utiliza comentários sobre um periódico de 1871 ( As Farpas ) e a questão feminina presente na obra O PRIMO BASÍLIO. Bom Proveito neste estudo.

Prof. Gil Mattos
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O periódico revolucionário As Farpas, editado por Eça de Queirós e Ramalho Urtigão no ano de 1871, como se sabe, surge da necessidade de questionar os costumes
da sociedade portuguesa do final do século XIX. É com um tom bastante irônico que o jornal tentará “acordar o país do torpor e da sonolência em que vegetava”; sacudi-lo e
obrigá-lo a caminhar com o século”, conforme lembra Augusto Pissarra (1979, p.VI).

Assim, não é de se estranhar que os temas abordados no panfleto serão os mais diversos: família, arte, política, economia, moral, costumes, entre outros.
Diante da diversidade de assuntos, é interessante observar o texto publicado em Uma campanha alegre: As Farpas em março de 18722, que será enfocado neste artigo,
em que Eça tece considerações em relação à figura feminina, principalmente a mulher lisboeta desse período. Os comentários destinados à mulher são os mais diversos (desde moda à educação feminina). Assim, as colocações feitas pelo autor português sobre essa questão surpreendem tanto pelo grande teor irônico de suas observações como pelo diálogo que esses comentários estabelecem com o “retrato” feminino presente em sua
obra O primo Basílio.

Nesse sentido, torna-se mais fácil compreender as personagens Luísa, Leopoldina, Juliana e D. Felicidade de O primo Basílio, uma vez que elas refletem o
entendimento de Eça de Queirós, elucidado também nos artigos publicados em As Farpas, a respeito da figura feminina pertencente à sociedade daquela época.
Não resta dúvida de que o autor consegue nessa obra “reproduzir” essa mulher lisboeta do século XIX, embora sob uma concepção masculina que, sem dúvida, deixa
as suas impressões negativas em relação ao universo feminino.
De acordo com Eça de Queirós no texto de março de 1872, mencionado anteriormente, a mulher seria responsável pelo destino dos homens, ou seja, da humanidade: a valia de uma geração depende da educação que recebeu das mães
(QUEIRÓS, 1979, v.3, p.1200). A mãe é quem irá transmitir aos seus filhos os valores morais, desta forma, uma mulher sem princípios jamais poderia passar aos seus filhos
algo que não possui, não poderia, portanto, educá-los.
Diante desse quadro, o autor confessa estar preocupado com os possíveis filhos das mulheres portuguesas de sua época, pois estas não estariam capacitadas para ser
mães, o que teria como conseqüência uma geração de filhos “mal educados”, homens e mulheres sem preparo, formando uma sociedade incapacitada e sem valores.
Essa idéia que atribui à mulher a tarefa de ser responsável pelo futuro da nação está atrelada à concepção masculina que tenta confiná-la ao espaço doméstico.
Em outras palavras, trata-se de uma maneira de legitimar a ordem estabelecida pela organização patriarcal, esse modelo único que nega a pluralidade representada pela voz
feminina.

Em As Farpas Eça de Queirós, por exemplo, considera a palidez, a debilidade física que, segundo ele, é tão presente nas mulheres de sua época, como uma
conseqüência da vida ociosa que elas levavam, propiciando, portanto, uma série de enfermidades e problemas de saúde. O que pode ser observado a seguir, por meio de
algumas considerações feitas pelo escritor acerca dessa mulher portuguesa do século  XIX:

              Os seus dias são passados na preguiça de um sofá, com janelas fechadas; -ou percorrendo num passinho derreado a Baixa e sua poeira[...] Depois, não fazem exercício [...] Além disso, o hábito do sofá, do recosto e da almofada- acostuma às posições lânguidas; cabeçaerrante, braços amolecidos, corpo abandonado [...] Outra causa da doença é a toilette. Com estes penteados enormes, eriçados, insólitos, em forma de capacete, de fronha [...] Ouve-se dizer quase sempre às mulheres – “Sinto hoje um peso na cabeça!...” É o fardo! É o crânio que, sem ar, amolentado, está adoecendo como um corpo que não se despe. Lisboa é a cidade do universo onde as meninas mais se apertam e se espartilham... (QUEIRÓS, 1979, p.1021-1022)


            Além da forte ironia e do ácido humor do fragmento acima, ainda é possível observar como essa mulher ociosa e grande adepta da moda está presente em O primo Basílio. Essa postura atribuída como tipicamente “feminina” pode ser notada, por exemplo, quando o narrador desse romance descreve uma visita de Leopoldina à casa de Luísa:


Leopoldina tinha então vinte e sete anos. Não era alta, mas passava por ser a mulher mais bem-feita de Lisboa. Usava sempre os vestidos muito colados, com uma justeza que acusa, modelava o corpo, como uma pelica, sem largueza de roda, apanhados atrás [...] E Leopoldina,
sentada no sofá, enrolando devagarinho a seda clara do guarda- sol,começou a queixar-se: tinha estado adoentada, muito secada, com
tonturas. O calor matava-a. E que tinha ela feito? Achava-a mais gorda. (IDEM, 1997, p.23-24)

Segundo trecho acima, Leopoldina é considerada “a mulher mais bem-feita de Lisboa”, pois ela segue os padrões da moda da sociedade em que está inserida e esta,
por sua vez, a considera a mais formosa. Luísa também se mostra uma “consumidora” assídua e se pode dizer que o termo toilette acaba tornando uma marca registrada dessa
personagem; o narrador enfatiza constantemente esse vocábulo que, na maioria das vezes, aparece relacionado a ela.
Já D. Felicidade não podia usufruir com tanta freqüência “dos objetos da moda” devido a sua idade e a sua saúde.

“Tinha cinqüenta anos, era muito nutrida, e, como
sofria de dispepsia e de gases, àquela hora não se podia espartilhar e suas formas   transbordavam.” (IBIDEM, p.36)



 Juliana, apesar das suas poucas condições financeiras, pois não pertencia à mesma classe social que as outras, sempre almejou e sonhou usar as mesmas roupas e adereços de sua patroa Luísa, o que só consegue através de suas chantagens:

Às vezes só no seu quarto, punha-se a olhar em redor com um riso de avaro; desdobrava, batia os vestidos de seda; punha as botinas em fileira, contemplando-as de longe, extática; e debruçada sobre as gavetas abertas da cômoda contava, recontava a roupa- branca,acariciando-se com o olhar de posse satisfeita. Como o da “Piorrinha”! (QUEIRÓS, 1997, p.311)

Percebe-se, portanto, que essas personagens femininas preocupam-se em seguir os padrões impostos pela sociedade. Elas têm em comum a ociosidade e a debilidade
física (todas possuem problemas de saúde): “[...] a sua preguiça é um dos seus males

[...] vai-se pentear, corre o Diário de notícias, cantarola um pouco pela casa [...] come um bocadinho [...] derreada com sua ociosidade...” (QUEIRÓS, 1979, v.3, p.1204). Tal
afirmação também pode ser evidenciada nos seguintes trechos de O primo Basílio, quando o narrador, ao se referir à Luísa, afirma:

 “Ficara sentada à mesa a ler o ‘Diário
de Notícias’, no seu roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soutache [...] Mas estava tão farta de estar só! Aborrecia-se tanto! De manhã ainda tinha os arranjos, a costura, a ‘toilette’, algum romance... Mas de tarde!” (IDEM, 1997, passim).

Essas características atreladas às personagens femininas são compatíveis com as idéias que Eça defende em seu artigo. Elas representam e exemplificam a imagem de
mulher que o autor retrata em As Farpas.
Os valores morais e princípios dessas mulheres também são bastante ressaltados pelo escritor, tanto em O primo Basílio quanto no mencionado artigo: “Depois da
anemia do corpo, o que nas nossas raparigas mais impressiona é a fraqueza moral que revelam os modos e os hábitos.” (IDEM, 1979).

Fraqueza moral que é corroborada pela imagem estereotipada das personagens femininas de O primo Basílio: Luísa – adúltera; Juliana – chantagista, ambiciosa;
Leopoldina – adúltera, pervertida; D. Felicidade vive à procura de um casamento à beira dos 50 anos. Esta última, inclusive, em relação as outras, é a menos salientada por Eça quanto a sua “imoralidade”. Nota-se que as mulheres que fogem “do procedimento correto”, da moral e dos bons costumes são “punidas’. Luísa e Juliana morrem e  Leopoldina é constantemente hostilizada por todos. “Em Eça [...] há um apelo permanente à norma, e os que dela se afastam estão condenados”. (CANDIDO, 1978).
Em O Primo Basílio essa “condenação” limita-se às mulheres. Ainda no texto de março de 1872 de Uma campanha alegre: As Farpas, o
escritor português comenta:

Outro mal seu é o medo, um medo de tudo [...], dos castigos de Deus [...] É necessário que tudo em roda na vida seja muito fácil, muito claro, muito pronto; [...] daqui vem a sua falta de acção, a sua infeliz
<>. Uma menina portuguesa, não tem iniciativa, nem vontade. Precisa ser mandada e governada. Perante um perigo, uma crise de família, uma situação difícil, rezam! (QUEIRÓS, 1979)


Pode-se remeter tal citação às próprias atitudes e o caráter de Luísa. Quando Jorge pede a Sebastião que cuide dela, fica clara essa relação de passividade e
dependência:

 “Por isso, Sebastião, enquanto eu estiver fora, se te constar que a Leopoldina vem pra cá, avisa a Luísa! Porque ela é assim, esquece-se, não reflexiona.”
(QUEIRÓS, 1997, p.50).

Essa afirmação de Jorge coloca Luísa como um ser que não pensa, completamente “inoperante”, que não possui preparo para enfrentar problemas e decepções e quando os têm apega-se à religião como refúgio:

 “Luísa, só consigo, tinha outras resoluções. Não tornaria a ver Leopoldina, e freqüentaria as igrejas. Saía da doença com uma vaga sentimentalidade devota. [...] E depois sentia-se tão infeliz que se lembrou de Deus!” (IBIDEM, passim).

O predomínio do ponto de vista masculino em O Primo Basílio, bem como do discurso patriarcal, é evidente pelo modo pelo qual o narrador conduz o relato. “O foco
narrativo nunca se fixa na consciência de nenhuma mulher, sempre as conhecemos através de seu discurso ou do seu agir, de outras personagens ou do olhar onisciente do
narrador” (BERRINI, 1984).
As personagens femininas d’O Primo Basílio são personagens “tipos”, uma vez que retratam um determinado grupo da sociedade lisboeta (Mulher portuguesa do século
XIX). Assim, não é possível exigir delas uma complexidade psicológica, pois suas atitudes e ações são previsíveis, torna-se importante olhar para elas sob uma visão
sociológica e não psicológica. “Eça não poderia, como escritor realista, deixar de criar tipos de mulheres transviadas [...]” (WERNECK,1946, p.259-260). Por outro lado, não se pode negar os princípios do patriarcado presente no discurso do escritor português. É
diante da representação de imagens femininas como as apresentadas por Eça que se tenta legitimar a idéia da mulher como a parte negativa e o homem como a parte
positiva do gênero humano. Essa oposição, conforme apontou a crítica feminista
francesa Hélène Cixous (1995), corresponderia a passividade feminina e atividade masculina. Para ela, é a partir dessa posição dual que submete a mulher à inferioridade que o poder masculino sustenta a sua supremacia.
Segundo o autor de Os Maias, essa mulher portuguesa do século XIX é fruto de uma má educação (familiar e intelectual), proveniente de uma sociedade que forma
mulheres alienadas que, influenciadas pelos padrões e valores burgueses, se deixam corromper facilmente pelo meio social. O autor a coloca como um ser inferior, fraco,
muito suscetível à alienação e vulnerável ao meio: “[...] a mulher na presença do mundo tentador – está hoje desarmada [...] A família, com sua dignidade, enfraqueceu; a religião tornou-se um hábito incompreendido; a moral está transformando [...] em que se apoiará a mulher?” (QUEIRÓS, 1979, p.1213).
Além disso, Eça atribui à mulher menos capacidade intelectual que ao homem, conforme se observa nos trechos a seguir:

[...] – porque a mulher, pela simples constituição do seu cérebro, é adversa ao estudo e à ciência: nem a satisfação de cumprir o dever - porque a compreensão abstracta do dever não tem pressa sobre o espírito feminino... Entre nós nenhuma senhora se dá às sérias leituras de ciência. Não da profunda ciência (o seu cérebro não suportaria) [...] – preferem o drama e o romance ... (IBIDEM, p.1211)

Essa diferenciação entre os sexos também é notada em O primo Basílio.
Evidencia-se com nitidez a desigualdade entre o homem e a mulher nessa obra: Basílio “sai impune” do adultério, o mesmo não ocorre com Luísa. Além disso, a própria visão
dessa personagem masculina revela o seu machismo, pois trata Luísa como um objeto.
O feminino mais uma vez aqui é colocado de maneira negativa, consolidando asoposições binárias entre macho/fêmea, como esclarece Rosiska Darcy Oliveira em
Elogio da diferença: No imaginário masculino, as mulheres, percebidas não só como diferentes, mas sobretudo, como inferiores, ocupam paradoxalmente, o lugar de “metade perigosa da sociedade”. [...] Em razão mesmo de
uma situação de alteridade, a mulher é definida como perigosa e antagônica. Em virtude dessa relação de oposição, é freqüentemente
associada às forças da mudança que corroem a ordem social e a cultura estabelecida. (OLIVEIRA, 1999, p.30)
Diante das observações tecidas até o momento, é perceptível o diálogo que se estabelece entre os artigos de As Farpas e a obra O primo Basílio no que concerne a
visão acerca das mulheres lisboetas. Outro aspecto que se sobressai nesses textos, sem dúvida, refere-se aos conceitos moralistas que, por sua vez, se fundamentam na
hegemonia masculina do poder. Como lembra Francisco Werneck (1946, p.260): “As censuras às personagens femininas são deveras excessivas [...]”.
Nesse sentido, esse breve estudo procurou refletir sobre alguns valores defendidos por Eça de Queirós sob a perspectiva da crítica feminista que visa a focalizar
o modo como as mulheres são representadas de acordo com as normas sociais e culturais predominantes. Torna-se fundamental, portanto, verificar como esses padrões
se perpetuam mesmo depois de um século e como eles ainda refletem problemáticas do universo contemporâneo.




Referências bibliográficas:
BERRINI, Beatriz. Portugal de Eça de Queiroz. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984.
CANDIDO, Antonio. Entre a cidade e o campo. In: CANDIDO, Antonio. Tese e
antítese. 3ed. São Paulo: Nacional, 1978. p. 29-56.
CIXOUS, Hélène. La risa de la Medusa: ensayos sobre la escritura. Prólogo y
traducción de Ana Maria Moix; traducción revisada por Myriam Díaz-Diocaretz.
Barcelona: Anthropos, 1995.
OLIVEIRA, Rosiska Darcy. Elogio da diferença: o feminino emergente. São Paulo:
Brasiliense, 1999.
PISSARRA, Augusto. Introdução. In: QUEIRÓS, Eça. Obras de Eça de Queirós. São
Paulo: Brasiliense, 1961. v.3. p. V-X.
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Klick, 1997. 463p.
QUEIRÓS, Eça de.. As Farpas. In: QUEIRÓS, Eça de.. Obras de Eça de Queirós.
Porto: Lello & Irmão, 1979. v.3.
        WERNECK, Francisco. As idéias de Eça de Queirós. Rio de Janeiro: Agir, 1946. 396p.
 



RESUMO POR CAPÍTULOS


CAPÍTULO I
Onze horas na sala de jantar, Jorge, engenheiro de minas, fechou um volume de Luís Figuier (escritor francês, popular por seus livros de divulgação científica) , Luísa, sentada à mesa, lia o Diário de notícias,

“no seu roupão de manhã de fazenda preta, bordado a
soutache, com largos botões de madrepérola; o cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro, enrolava-se torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele tinha a brancura tenra e Láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis de rubis miudinhos davam cintilações escarlates.”

Tinham acabado de almoçar, Jorge enrolou um cigarro e começou a pensar na viagem que faria. Era a primeira vez que se separaria de Luísa. Jorge era robusto, de hábitos viris, tinha ombros fortes e gênio manso; era um homem caseiro e nunca fora sentimental.
Após a morte da mãe, começou a se sentir só, conheceu Luísa, apaixonou-se por seus
cabelos louros e casou-se. Segundo seu amigo íntimo, Sebastião, ele havia se casado no ar. Estavam casados há três anos; Luísa interrompe os devaneios do marido e lê alto que Basílio chegaria a Lisboa, tinha ido ao Brasil fazer fortuna, ele era bem conhecido da sociedade.
Luísa deixa o seu descanso e vai verificar com Juliana, a criada, se os coletes de Jorge estavam prontos para a viagem, não estavam. Retorna ao quarto, Luísa e Jorge discutem por causa de Juliana, pois A jovem não gosta da criada e o marido diz que tem uma dívida de gratidão, pois a mesma, com dedicação, cuidou de sua tia Virgínia até à morte.
Enquanto Jorge termina de se arrumar para sair, Luísa, emocionada, termina de ler A Dama das Camélias e pensa em seu antigo namorado, Basílio, vaidoso e chique, que
terminara o namoro por causa da partida para o Brasil, em busca de fortuna.
Lembra-se de que conhecera Jorge três anos depois e de que se casara com ele não por
amor, mas por segurança. Era fiel e uma boa dona de casa.
Juliana avisa-lhe que Leopoldina, conhecida em toda a cidade como pão de queijo
(Portugal inteiro comia), chegara. Luísa assusta-se, pois Jorge não gostava dela por causa dos inúmeros amantes e fumava. Apesar de tudo ela admirava a antiga amiga, considerava-a uma infeliz no casamento e agia como as heroínas românticas em busca de uma grande paixão. Conversaram bastante tempo e Luísa se excitava com suas
histórias picantes. Jorge ao chegar, fica sabendo por Juliana, que Leopoldina esteve ali,
irrita-se e repreende a esposa pela visita indesejável. Luísa, cheia de cólera vai falar com
a criada fofoqueira que diz ter agido ingenuamente.

CAPÍTULO II
Como de costume, o casal recebia um grupo de amigos sempre aos domingos para uma
pequena reunião social, eram eles: Julião Zuzarte, parente muito distante de Jorge; era um homem seco e nervoso, com lunetas azuis, os cabelos compridos caídos sobre a gola, cirurgião, estudioso e inteligente. Aos trinta anos ainda era pobre e via os medíocres e superficiais, subirem na vida e ele por ter um orgulho resistente e muita fé nas suas
faculdades, não conseguia prosperar na vida, sonhava com um bom salário e com uma
vida luxuosa. Era irônico, despeitado, amargo e sentia inveja de todos. Luísa não gostava
dele, mas tinha que fingir porque Jorge o admirava. Dona Felicidade de Noronha, 50 anos, tinha sido amiga da mãe de Luísa, era gorda, sofria de dispepsia e gases, suas formas transbordavam. Sua cara era lisa, redonda, cheia, de uma lavura baça e mole de freira; nos olhos papudos, com a pele já engelhada em redor, luzia uma pupila negra e úmida, muito móbil; e os cantos da boca uns pêlos de buço pareciam traços leves e
circunflexos de uma pena muito fina. Solteirona, era apaixonada pelo Conselheiro Acácio
e sua careca. Assim que o via, punha-se a falar alto com um sorriso parvo e a abanar-se
convulsivamente. E quando ela lhe fazia qualquer demonstração sentimental, ele se
afastava todo pudico e severo. Ultimamente tinha pesadelos lascivos. Conselheiro Acácio, alto, magro, todo vestido de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito.
O rosto aguçado no queixo ia se alargando até à calva vasta e polida, tingia os cabelos
que de uma orelha a outra lhe faziam colar por trás da nuca., mas não tingia o bigode, farto, grisalho, caído aos cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetos escuras. Tinha uma covinha no queixo e as orelhas grandes muito despegadas do crânio. Fora diretor-geral do ministério do reino e sempre que dizia – El-Rei! – erguia-se um
pouco da cadeira. Os seus gestos eram medidos, mesmo a tomar rapé. Nunca usava palavras triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empregava restituir. Dizia sempre “o nosso Garret”, “o nosso Herculano”. Era autor. Ernestinho Ledesma, primo de Jorge, pequenino, linfático, membros franzinos, ainda quase tenros ; davam-lhe um aspecto débil de colegial; o buço, delgado, empastado em cera-mostache arrebitava-se aos cantos em pontas afiadas como agulhas; e na sua cara chupada, os olhos repolhudos amorteciam-se com um quebrado langoroso. Trazia sapatos de verniz com grandes laços de fita; sobre o colete branco, a cadeia do relógio sustentava um medalhão enorme, de ouro... Vivia com uma atrizita do ginásio, uma magra, cor de melão, com o cabelo muito
riçado, o ar tísico, - e escrevia para o teatro. Ultimamente trazia um drama em cinco atos:
Honra e paixão, era a sua estréia séria. Era funcionário da alfândega e escrevia por amor
à arte. Ao chegar, queixou-se com os amigos, pois na véspera, tivera que refazer todo o final de um ato, só por causa do local da cena; Ernestinho queria num abismo e o produtor, numa sala. O Conselheiro quis conhecer o lance, Ernestinho, esboucou o
enredo: Uma mulher casada havia se encontrado em Sintra, um homem fatal, o Conde de
Monte-Redondo. O marido, arruinado, devia cem contos de réis ao jogo. Estava desonrado e ia ser preso. A mulher, louca, deixa cair o véu e o conde paga a dívida. O Conde e a mulher amam-se, o marido descobre e joga todo o dinheiro aos pés do conde e mata a esposa atirando-a no abismo. O conde ao saber da morte da amada, atira-se no
abismo também e o marido traído cruza os braços e dá uma gargalhada infernal. O problema era que o empresário queria a cena em uma sala e com outro final, o marido perdoava à esposa, pois o público não era afeto às cenas de sangue.
Todos gostaram do novo final, menos Jorge, exigindo que Ernestinho a matasse.
Exaltado, falava:  “Se enganou o marido, sou pela morte.”
Conselheiro Acácio interveio, achando a atitude de Jorge anticivilizadora, mas Jorge não
mudou de opinião. Enquanto os amigos o chamavam de tigre, Otelo e Barba-Azul, ele ria.
Sebastião, amigo íntimo de Jorge, inseparáveis desde a infância, chega. Era um homem
baixo e grosso, todo vestido de preto, com um chapéu mole na mão. Começaca a perder
um pouco na frente os seus cabelos castanhos e finos. Seu rosto tinha uma expressão
honesta, simples, aberta: os olhos pequenos, azuis de um azul-claro, de uma suavidade
séria, os beiços escarlates, sem películas secas, os dentes luzidios, revelavam uma vida
saudável. Jorge chama o amigo ao escritório e contrariado, fala da visita de Leopoldina,
temia pela má vizinhança na rua estreita em que moravam; aproveita e pede ao amigo,
que durante a sua ausência, faça visitas à Luísa, pois era necessário alguém adverti-la
sobre o que não devia fazer

CAPITULO III
Já fazia doze dias que Jorge havia partido e Luísa, enfastiada de ficar só, preparava-se para ir à casa de Leopoldina, Juliana abre a porta e pede-lhe permissão para ir ao médico, havia passado a noite em claro, estava ainda mais amarela e o olhar muito pisado. Luísa deu-lhe permissão, desde que antes de ir ela arranjasse tudo e não se demorasse.
Antes de sair, Juliana avisa Joana, a cozinheira, amante de Pedro, um carpinteiro vizinho.
Como não podia sair para encontrá-lo, vivia olhando para o local onde ele trabalhava e
quando tinha oportunidade, metia-o em casa pela porta de trás.

Era uma rapariga muito forte, com peitos de ama, o cabelo como azeviche, todo lustroso do óleo de amêndoas doces. Tinha a testa curta de plebéia teimosa. E as sobrancelhas cerradas faziam-lhe parecer o olhar mais negro.”

Sendo solteirona, Juliana, detestava aquele escândalo do carpinteiro e da cozinheira, mas protegia-o e elogiava a cozinheira, pois valiam caldinhos ou bifes que Joana davalhe às escondidas da senhora . Juliana estava revoltada por estar doente e ser tratada pela patroa como se fosse um cão, furiosa com Luísa, por não Ter dado importância às suas dores, varre a escada violentamente, quando é surpreendida pela chegada de um rapaz que parecia estrangeiro, era trigueiro, alto, tinha um bigode levantado, um ramo na sobrecasaca azul, e o verniz dos seus sapatos resplandecia.
Juliana avisa a patroa sobre a visita e quando esta lhe questiona sobre a espécie de homem, a criada responde que o homem era um janota. Luísa, toda escarlate, recebe a visita do primo Basílio. Após um shake-hands demorado, ele elogia a beleza da antiga namorada e conta sobre suas viagens.
Luísa olhava Basílio. Achava-o mais varonil, mais trigueiro. No cabelo preto anelado havia alguns fios brancos; mas o bigode pequeno tinha o antigo ar moço, orgulhoso e intrépido; os olhos, quando ria, a mesma doçura amolecida, banhada num fluido. Reparou na ferradura de pérola da sua gravata de cetim preto, nas pequeninas estrelas brancas
bordadas nas suas meias de seda...Voltara mais interessante. Basílio trouxe-lhe presentes, voltaria com eles no dia seguinte: um rosário, uma relíquia
benta pelo primeiro patriarca de Jerusalém sobre o túmulo de Cristo e um par de luvas de
verão com oito botões, ele aproveita para criticar as de Portugal que só tinham dois.
Luísa passou o resto da tarde e da noite pensando em Basílio, às vezes seus pensamentos eram interrompidos pela lembrança de Jorge.
Juliana entra para acender as luzes e Luísa diz-lhe que ela se parecia com a morte. A criada se ofende e já no seu quarto abafado, escuro, repleto de percevejos e insetos. Sem a cuia e com um lenço preto e amarelo amarrado na cabeça, seu rosto parecia mais chupado, e as orelhas mais despegadas do crânio; a camisa decotada descobria as clavículas descarnadas; a saia curta mostrava as canelas muito brancas, muito secas.
Pensa em sua vida:
 nascera em Lisboa, seu nome era Juliana Couceiro Tavira. Sua mãe fora engomadeira; e desde pequena tinha conhecido em casa um sujeito a quem chamavam na vizinhança – o fidalgo, a quem sua mãe chamava – o senhor D. Augusto. Vinha todos os dias, de tarde no verão, no inverno de manhã... À noite o senhor D.
Augusto voltava; trazia sempre um jornal; sua mãe fazia-lhe chá e torradas, servia-o, toda
enlevada nele. Muitas vezes Juliana a vira chorar de ciúmes. Juliana foi servir e alguns meses depois, sua mãe morreu e desde então ela só viu o senhor D. Augusto uma vez. Servia havia vinte anos. Mudava de amos, mas não de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos, a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando vinha a saúde!...Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir. Desde rapariga a sua ambição fora ter um negociozito, uma tabacamas, uma loja decapelista ou de quinquilharias, dispor, governar, ser patroa; mas apesar de economias mesquinhas e de cálculos sôfregos, o mais que conseguira juntar foram sete moedas ao fim de anos; tinha então
adoecido; com o horror do hospital fora tratar-se para a casa de uma parenta; e o dinheiro, ai! Derretera-se! No dia em que trocou a última libra, chorou horas com a cabeça debaixo da roupa.
Ficou sempre adoentada desde então. Terias de servir até ser velha, sempre de amo em amo!

Começou a azedar-se. Graças as antipatias que a cercavam nas casas, ela tornou-se má, beliscava as crianças, saía com escândalos, deixava todas as amas pálidas e nervosas.
Tia Vitória, uma inculcadeira , amiga sua, dava-lhe conselhos para mudar de comportamento, pois ficaria sem emprego. Juliana era fina, então, passou a se fazer de pobre mulher , cultivar um ódio azedo e a ficar feliz com a infelicidade das patroas. A necessidade de se constranger trouxe-lhe o hábito de odiar; odiou sobretudo as patroas,
com um ódio irracional e pueril. Todos os lutos a deleitavam. Sempre fora invejosa; com a idade o sentimento exagerou-se de um modo áspero. Era
também muito curiosa, cheirava e revirava qualquer carta que chegava, remexia nas
gavetas sutilmente. Era gulosa e adorava vinhos.
Nunca tivera um homem, era virgem. Sempre foi feia e o único homem que a olhara com
desejo tinha sido um empregado da cavalariça, atarracado e imundo.. E o primeiro
homem por quem ela se interessou foi um criado bonito e alourado, mas este rira-se dela
e a chamara de isca-seca .
Sua grande esperança de mudar de vida foi trabalhar para a sra. D. Virgínia Lemos, uma
viúva rica, tia de Jorge, muito doente, quase a morrer com catarro na bexiga. Virgínia era
muito rabugenta, mas na esperança de receber algum dinheiro como herança, fez com
que Juliana a enchesse de mimos, mas a velha morre e sequer a cita no testamento.
Juliana adoece e Jorge, em consideração, pagou-lhe um quarto no hospital, assim que
saiu, passou a servir na casa de Jorge.

CAPÍTULO IV
Juliana descansa após arrumar a sala que com a visita de Basílio, estava um chiqueiro.
Já na cozinha tomando caldo, Juliana escuta a campainha tocar várias vezes, mas não se
move, Luísa grita para que atenda e Juliana desce furiosa. Era Basílio com um embrulho
debaixo do braço. Chega Sebastião, mas quando Juliana avisa que sua senhora está com
a visita de um janota, ele se recusa a entrar e vai-se embora. No domingo, Luísa dá um bilhete lacrado pra Juliana levar à D. Felicidade.
Durante todo o dia, Luísa não saiu do quarto, mas à noite, Juliana se surpreende ao ver a
patroa com um vestido preto, ia sair com dona Felicidade. No passeio público, encontramse
com Basílio. D. Felicidade diz a Basílio que gostava de teatro e ele diz que em
Portugal representavam muito mal.
Os três trocam idéias sobre leituras, Luísa tinha se aborrecido muito passando o dia todo
a ler, já Basílio lera um romance picante, A mulher de fogo, e Dona Felicidade, ao O
rocambole, descobriu que a leitura lhe aumentava a indigestão. A solteirona logo lhe falou
das suas dispepsias e Basílio achou muito chic, chegam a trocar receitas, fazendo a
velha senhora achá-lo muito simpático.
Logo de manhã, Luísa recebe flores de Sebastião, mais tarde chega Basílio e em seguida, Julião. Luísa envergonha-se do colarinho enxovalhado e com o velho casaco mal feito de médico, preocupa-se com a idéia que Basílio faria das relações, dos amigos da casa, sentia seu chic diminuindo.
Basílio, recostado no sofá, como um parente íntimo, cofiava indolentemente o bigode,
arrebitando o dedo mínimo, onde brilhavam, dois grossos anéis de ouro, uma safira e um
rubi. A afetação dos gestos e o reluzir das jóias irritavam Julião. Basílio e Luísa começam a conversar sobre os parentes e fidalgos, coisas desconhecidas de Julião, que sentindo-se ignorado, acaba indo embora. Assim que o médico sai, Basílio o chama de pulha, e que mesmo sendo pobre deveria ter meios de escovar o casaco e
limpar a caspa, recebê-lo em casa era uma vergonha, falou ainda que ela não tinha sido
educada para ter gente desse gênero em casa.
A campainha soa novamente e Luísa se assusta, temendo que fosse Sebastião, pois Basílio o acharia mais reles. Para seu alívio, era o Conselheiro Acácio. Os três conversam e depois cantam. Mais tarde, Basílio e Luísa estão sozinhos e ele resolve investir de uma maneira mais agressiva, toma a mão de Luísa e beija. Fica de voltar no dia seguinte.
Sebastião é questionado pela vizinhança sobre a freqüente figura na casa de Luísa, fato
que o preocupa, mais preocupado ainda, fica quando descobre que a visita era Basílio, primo de Luísa. Não o conhecia pessoalmente, mas conhecia a sua fama boêmia e que havia ido para o Brasil, fugindo de credores. Sebastião era só e tinha uma pequena fortuna; vivia com duas criadas muito antigas: Vicência, a cozinheira e tia Joana, a governanta, era baixinha e gorda, com um sorriso muito bondoso, servia-o há trinta e cinco anos. Tinha os cabelos brancos presos no alto com um pente de tartaruga; trazia um lenço sempre muito branco sobre o peito. Todo o dia passarinhava pela casa, com o seu passinho arrastado, fazendo tilintar os molhos de
chave, resmungando provérbios, tomando rapé de uma caixa redonda. A casa
assemelhava-se ao seu dono, Sebastião. Ele tinha um gênio antiquado.  Era solitário e acanhado. No colégio, chamavam-no peludo, punham-lhe rabos, roubavam-lhe as merendas. Apesar de ter a força de um ginasta, oferecia a resignação de um mártir.
Mesmo sendo inteligente, a sua timidez fazia-o reprovar nos exames. Sua inclinação mesmo era pela música.

Jorge e Sebastião eram amigos desde a infância; Jorge era sempre o dominante e Sebastião, o dominado. Quando a mãe de Jorge morreu,
pensaram em morar juntos, mas Jorge conheceu Luísa e a sociedade Sebastião e Jorge
foi por água abaixo. Mesmo sofrendo, era Sebastião quem tirava os espinhos das rosas que Jorge levava à Luísa. Fora ele também que cuidou de todos os arranjos do casamento e da casa. Depois do casamento, Sebastião sentia-se muito só. –
Tia Joana é uma espécie de antítese de Juliana. Percebe-se que os únicos personagens que o autor poupa são Tia Joana, descrita com ternura e Sebastião como um homem tímido e com boa conduta moral.
Luísa recebe uma carta queixosa do marido, sua consciência pesa ao pensar nos beijos de Basílio. Resolve não receber Basílio, pensa em escrever-lhe para não vir mais, mas por outro lado, como estivesse só, nada teria a perder. Juliana ouve os suspiros de Luísa e percebe que algo havia entre os primos havia acontecido.
Sebastião, preocupado, vê Basílio entrar na casa de Jorge. Luísa recebe-o de roupão, após sentar-se aos seus pés e chupar-lhe o dedo mínimo, Basílio a convida para um
passeio no campo, mas no dia seguinte quando ele vai visitá-la, que passeio que nada,
sequer toca no assunto do passeio, do seu amor ou desejo. Habilmente começa a tagarelar todo contente e de todas as mulheres que falava, dizia: “era uma mulher distintíssima; tinha, naturalmente, o seu amante...”. O adultério, pelo visto, era um dever
aristocrático e a virtude, o defeito de um espírito pequeno. Antes de sair, disse todo cheio
de lamúrias que iria partir, nada tinha a fazer ali e após dizer um “adeus, meu amor...,
saiu. Luísa, à tarde, tinha os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar.
O plano de Basílio surtira efeito. No dia seguinte, fora ela quem tocara no assunto do
passeio no campo , aceitaria ir, desde que fosse num coupé fechado, e no calor que fazia,
era “abafar-se numa boceta”, disse Basílio.
Grande parte da vizinhança já comentava sobre o janota que visitava Luísa todos os dias.
Sebastião, todo preocupado vai à procura de Julião, encontram-se na confeitaria. O
médico diz que Basílio é um asno e que se atirava sobre Luísa. Sebastião fica escandalizado e Julião culpa Luísa, se ela recebe o primo em casa, é porque ele a agrada.

CAPÍTULO V
Certo dia de muito calor, Juliana, após um acesso de cólera, passou mal. Motivo: Luísa deu-lhe um cesto de colarinhos, chamou-a de porcaria de engomadeira e estavam pouco engomados. Assim que melhorou, saiu para ir ao médico e no caminho é questionada pela vizinhança sobre a figura do janota, fato que alimentou a sua desconfiança.
Finalmente Luísa aceitou o convite do primo para um passeio no campo. No caminho,
dentro do coupé, Basílio prendeu-lhe o pulso e deu-lhes muitos beijos longos na pele fina, azulada de veiazinhas . Basílio agarra-a com sofreguidão e a enche de beijos no pescoço, face, chapéu. Luísa resiste e Basílio pede-lhe perdão. Ele tenta seduzi-la, mas ela resiste.
Na segunda tentativa, convida-a para fugir e a enche de beijos e abraços. Após um soluço ela murmura um doloroso: “- Não diga tolices.” Antes de descer do coupé, ela pede-lhe que não falte no dia seguinte. Basílio parte rumo ao Grêmio, sentindo-se
vitorioso
Lá, encontra-se com um amigo, Visconde Reinaldo, ambos tinham vindo de Paris. Basílio
fala-lhe sobre a prima e que a vitória da conquista estava perto. Reinaldo achava a temperatura de Lisboa reles, trazia lunetas defumadas e andava saturado de perfumes por causa do cheiro”ignóbil de Portugal.” Assim que viu Basílio deixou escorregar o Times e com os braços moles e voz desfalecida diz a Basílio que queria ir para o Norte.
Assim que Luísa entra em casa, Sebastião a aguardava, ia adverti-la sobre os comentários da vizinhança, mas ao ouvir o nome de Jorge, Luísa alega enxaqueca e
Sebastião deixa a casa sem lhe tocar no assunto.
Luísa, após receber um ramo de rosas de Sebastião, aguarda ansiosamente a visita de
Basílio. Estava atrasado e ela, preocupada, vai ao escritório de Jorge, agarra uma folha de papel e escreve-lhe:
“Querido Basílio.
Porque não vens? Estás doente? Se soubesse os tormentos por que me fazes passar...
A campainha soou, ela amassou o bilhete e correu à porta, achava que fosse Basílio, mas para sua decepção, era Sebastião. Ele lhe fala dos comentários dos vizinhos sobre a visita do primo e Luísa se sente insultada e defende-se. Porém, quando Sebastião menciona Julião, ela exaspera-se ainda mais e com a voz estridente pergunta-lhe com que direito eles se metiam no que passava na casa dela. Por fim, Luísa o agradece.
Sebastião estava assustado, nunca tinha visto Luísa assim, com os olhos reluzindo febrilmente e a cada momento limpando os cantos secos da boca.
Depois de toda a cena, Sebastião a aconselha a falar a verdade a Basílio e antes de sair,
o amigo promete segredo.
A lembrança dos olhares de Basílio, as palavras exaltadas fizeram-na corar, mas ao
reconhecer que seria sempre fiel a um único homem, irritou-se.
Por fim, Leopoldina chegou. Após o jantar, ela fala à Luísa que o banqueiro Castro era
apaixonado por ela. Beberam demais e Juliana escolta Leopoldina até à casa.
A chegada de Basílio tira Luísa da solidão; assim que ele entra, diz-lhe que estava de
partida. Ele envolve a prima com juras de amor, apertando-a contra-si. Ela fica imóvel à
beira do divã, quase a escorregar, os braços frouxos, o olhar fixo, a face envelhecida, o
cabelo desmanchado. Luísa lembra-se de Sebastião e fala ao amante que era tarde.
Após beijá-la muito, sai. Juliana chega e Joana comenta que o primo chegou assim que ela saiu. A engomadeira vai à sala e encontra a travessa de Luísa no chão, sinal, sem provas ainda, de que “algo mais abrasador havia ocorrido”. Com a desculpa de fechar a sala, vai verificar se Luísa estava com alguém.
No Grêmio, Basílio fala ao visconde Reinaldo que enfim havia conseguido o que queria,
ela era um anjo...

CAPÍTULO VI
Na manhã seguinte, Luísa recebe um bilhete de Basílio marcando um encontro, lembra-se
que é saudável possuir um amante e se arruma com esmero. Justifica seus pensamentos
com o fato de muitas mulheres famosas os terem também.
Juliana, nesse dia estava diferente, enquanto trabalhava, cantarolava a Carta adorada.
Com certeza, o bilhete que havia encontrado no bolso de Luísa: “Por que não vens?... Se
soubesses o que me fazes sofrer..., valeria ouro.
Luísa saudava a manhã e agora concordava com Leopoldina, realmente, uma
maldadezinha fazia a gente se sentir bonita. Sentia-se importante, afinal, agora tinha um
amante.
Toda feliz resolve escrever a Basílio:
“Meu adorado Basílio.
Não imaginas como fiquei quando recebi a tua carta, esta manhã, ao acordar. Cobri-a de beijos...
Que tristeza que fosse a carta e que não fosses tu que ali estivesses!...não foi superior ao sentimento que me impelia para ti, meu adorado Basílio. Era mais forte do que eu, meu Basílio...É superior a mim. Sempre te amei, e agora que sou tua, que te pertenço de corpo e alma, parece-me que te amo mais, se é possível...

Ao ouvir que alguém a procurava, assustou-se e achando que fosse Jorge, amassou o
bilhete e jogou no lixo. Era D. Felicidade com tonturas, enquanto isso Juliana arrumava a
sala e a costureira aguardava Luísa.
Após ouvir a solteirona lamentar o descaso que o Conselheiro Acácio a tratava, corre ao
escritório, mas a lixeira estava vazia. Pergunta a Juliana sobre os papéis que lá estavam,
mas a criada lhe responde que já estavam no barril de lixo. Luísa corre pra verificar, mas
já estava vazio também, Joana tinha acabado de esvaziá-lo.
Luísa lembra-se do bilhete que escrevera na véspera e corre ao quarto pra verificar o bilhete que escrevera na véspera, tranqüila, vê que o mesmo ainda estava la, todo amassado no bolso da algibeira.
D. Felicidade revela um segredo à Luísa, iria para a terra de um galego onde havia uma
senhora que era excelente em deitar a sorte a um homem.
Chega um outro bilhete de Basílio, dizendo Ter encontrado um ninho de amor. D.
Felicidade a convida para irem à Consolação cuidarem de um conhecido com furúnculo,
mas Luísa recusa e apronta-se para ir ao idílio.
Na rua, Luísa, toda de preto, acena para Julião e Sebastião, que acha impossível ágüem
suspeitar da honra de alguém tão distinta quanto ela, uma santinha.
Ela vai toda feliz, seria a primeira vez que se encontraria com o amante no Paraíso, enfim
ela teria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos; experimentaria
sensações excepcionais, agora sim, tinha uma casinha misteriosa, o segredo ilegítimo e
as palpitações de perigo. Enquanto percorre o caminho, pensa em uma quinta com
arvoredos e relvas fofas onde passeariam de mãos dadas, o som da água caindo, ou quem sabe era um terceiro andar
Lembra-se de um romance de Paulo Féval, em que o herói forra de cetins e tapeçaria o interior de uma choça. Ela conhecia o gosto de Basílio e o Paraíso
com certeza seria como no romance de Paulo Féval. Imagina Basílio esperando-a
estendido num divã de seda e chega a recear que a sua simplicidade burguesa, sem
experiência,não ache palavras finas ou carícias exaltadas, Mas a realidade era outra, era
uma pocilga, uma casa amarelada. Um cheiro mole e salobro fê-la ter enjôos. Basílio desce para recebê-la e reclama que a aguardava desde a uma hora.
No quarto, Luísa vê uma cama de ferro com colcha feita de remendos, os lençóis, nada
de cetim, mas grossos de um branco encardido e mal lavado. Escarlate e calada sentou-se. Basílio percebe o desapontamento da amante e justifica-se: era retirado e discreto, apesar de não muito luxuoso.
Luísa mordia os beiços, a batida na porta fê-la assustar-se. Basílio abriu e uma voz
adocicada ciciou: sossegadinhos; suas chavezinhas.
Chovia, Luísa se entristecia e a cama era-lhe repugnante.
Enfim, Luísa tira o chapéu, Basílio beija-lhe o pescoço e ela sentindo um arrepio de frio
nos ombros nus, abandona-se entre os joelhos de Basílio.
Juliana, mesmo tendo trabalho dobrado, com as saídas diária da patroa rumo ao Paraíso,
não reclamava mais, mas sim cantarolava. Na rua, a vizinhança explode em comentários.
Sebastião ficou aterrado quando tia Joana lhe deu as novidades: Luisinha saía todos os dias e o primo não ia mais à casa dela.
Sebastião recebe uma carta de Jorge perguntando de Luísa, estava preocupado, ficou cinco dias sem receber carta dela e quando recebeu eram apenas quatro linhas. Jorge pede ao amigo para ir fazer companhia à sua esposa que se sentia muito só.
No dia seguinte, Sebastião vai verificar como ia a esposa do amigo. Conversaram um
pouco sobre os amigos e quando Luísa lhe pergunta quando Jorge voltava, Sebastião fica
aterrado.
Saindo de lá, Sebastião vai à casa de Julião que estava a escrever uma tese, mas o
médico põe-se a discutir com um estudante. Este, tenta explicar a criação usando a
emoção, a fé, a religião, Deus; já o médico, na sua postura realista, usando a razão, atacava Deus com cólera, chamando-o de “uma hipótese safada”. Sem jeito para conversarem, Sebastião retira-se e pensa em ir falar com D. Felicidade, mas ela estava
doente, havia torcido o pé.
Sebastião vai comprar uma cadeira pra D. Felicidade e lá, o vendedor diz-lhe que Luísa ia todos os dias na Encarnação visitar uma doente. Sebastião suspira aliviado; agora, todos os vizinhos vêem em Luisa, uma santinha e agora, quando sai à rua, não há mais cochichos e todos a cumprimentam.
No Paraíso, Basílio, demonstrava seu tédio, usava Luísa como se a estivesse pagando e
demonstrava, às vezes, azedume para com ela.
Duas ou três vezes, quando Luísa voltava do Paraíso, deparara-se com Juliana, que
também subia apressada, o moinho de vento. Agora, Juliana acabava os afazeres pela manhã e assim que Luísa dobrava a esquina, rumo ao Paraíso, a criada saía também, rumo à casa de uma amiga, tia Vitória o que deixava a cozinheira radiante, pois assim o caminho estaria livre para ela e o carpinteiro.
Tia Vitória, na época, era de grande utilidade, tanto para os empregados reles quanto
para a criadagem fina, tinha despacho pra tudo. Emprestava dinheiro aos desempregados, guardava as economias dos poupados, escrevia, através do Sr. Gouveia, as cartas amorosas ou domésticas . Vendia vestidos usados, alugava casacas
aconselhava, dirigia intrigas. Ultimamente, sempre que Juliana chegava, trancavam-se no
escritório e depois Juliana saía vermelha, com os olhos brilhando de alegria.
A casa com as três mulheres transmitia felicidade: Luísa saía todos os dias, não ficava
mais nervosa e sua antipatia por Juliana havia diminuído, achava-a uma pobre de Cristo.
Juliana por sua vez, tomava seus caldinhos, passeava e Joana, muito livre e só, recebia o
seu amante.O conselheiro Acácio tinha ido viajar, Julião ocupava-se com a tese. A barca,
segundo Juliana ia num mar de rosas, mas era ela quem ia no leme.

CAPÍTULO VII
Um dia, quando Luísa estava a caminho do Paraíso, encontra-se com Ernestinho, que
feliz diz-lhe que a peça estava quase pronta e havia mudado o final, o marido perdoava à
esposa adúltera e o casal se mudava para o estrangeiro.
No Paraíso, Luísa comenta com o amante que estavam se vendo demais, era uma
imprudência, para sua decepção, ele simplesmente encolhe os ombros e fala que se ela
não quisesse mais vir, tudo bem. Quando ela ia pôr o chapéu pra sair, ele a deteve e a
cobre de beijos.
Em casa Luísa reconhece que Basílio a amava menos, agora,depois do último beijo,
acendia o charuto como se tivesse terminado um janta re corria ao espelho pentear-se.
Não a respeitava, tratava-a como a uma burguesinha sem educação; já Jorge, amava-a
com respeito.
A mudança de Basílio faz o casal discutir. Luísa deixa o Paraíso e entra em casa,
humilhada e exasperada. Joana havia saído e Luísa vai para o quarto.
No dia seguinte, começa a achar o Paraíso longe, estava calor e ela tem preguiça de se
vestir. Recebe uma carta de Jorge, lastimando-se de saudades. Assim que ela acaba de
responder a carta do marido, Juliana lhe entrega uma carta de Basílio, que desesperado
pedia-lhe perdão e afirmava que a adorava.
Luísa hesita, não sabe que fazer e no dia seguinte, a dúvida persiste, não sabia se ia ou
não. Mas acaba indo. Já no Paraíso Basílio a enraivece com seu modo de tratá-la,
discutem e ela rompe tudo, ele se atira aos pés dela com os olhos úmidos e reatam o que
a pouco terminara.
No dia seguinte, Paraíso, dessa vez, Basílio estava tão fervoroso como antes; tinha até
cesta com lanches e champanhe.
Basílio ensina a Luísa a “verdadeira maneira de beber champanhe”: Enche a boca da
bebida e num beijo, passa-a para a boca de Luísa; ela adorou. Luísa tinha toda a graça
lânguida de uma pomba fatigada.
Basílio achava-a irresistível;
“quem, diria que uma burguesinha podia ser tão chic, tanta queda?”

À noite, Luísa e Juliana vão à casa de Leopoldina, mas ela tinha ido ao Porto.
No dia seguinte, a caminho do Paraíso, Luísa depara-se com o conselheiro Acácio, ele
tinha escrito um livro:


Esse contratempo fez com que ela se atrasasse e ao chegar ao Paraíso, Basílio já havia saído. Sentiu um desejo frenético de ver Basílio e ordenou ao coupé que fosse para o Hotel Central,.
Basílio também não estava lá. Vermelha e irritada chega em casa. Eram três horas da
tarde e ao ver tudo desarrumado chama a atenção da criada que estremece frente à
cólera da patroa. Luísa expulsa Juliana que diz batendo no peito, que sairia se quisesse e
com voz estrangulada diz que nem todos os papéis foram parar no lixo, ela tinha as cartas
que a senhora escrevia aos amantes. Luísa desmaia.

CAPÍTULO VIII

Luísa volta a si, Joana diz que Juliana estava mal, com as dores, Luísa deseja-lhe a
morte, pois assim estaria livre.
Procura saídas para o seu drama, pensa que o melhor seria fugir com o amante. Ao
arrumar a mala, percebe que a criada roubara algumas cartas que Basílio lhe escrevera.
Enquanto a patroa dorme,Juliana sonha com o dinheiro.

Luísa acorda tarde e vai ao Paraíso. Chegando lá, conta tudo ao amante e propõe a fuga.
Basílio, diz que nem ele nem ela estavam preparados para a fuga e que ele tinha só
trezentos mil-réis para ajudar; adverte-a para não fazer mais isso pois ele não estava ali
para pagar as distrações dela. Luísa, ouvindo-o fazia-se branca. Ela, ofendida diz-lhe que
o pagaria e ele retruca, dizendo que ela não tinha como pagá-lo.
Ele volta irritado para o hotel. Aquela história de adultério e criados, parecia-lhe muito
trivial, muito burguês. enquanto aguarda pelo amigo, Reinaldo, Basílio pensa com horror
na situação: ter que voltar a Paris acompanhado daquele trambolhozinho. Se tivesse
trazido a Alphonsine, nada teria acontecido, não teria desinquietado a prima. Enfim, o
romance fora agradável, havia o adulteriozinho, o incestozinho, mas aquele episódio da
criada estragara tudo, o único jeito era fugir –

Basílio conta tudo a Reinaldo que ouve com ares de nojo. Reinaldo critica o tipo de
amante que Luísa era, mas Basílio a defende dizendo que ela era deliciosa. Mesmo assim
o amigo o aconselha a escrever-lhe uma carta de despedida e livrar-se da sarna. Basílio
estava relutante.
No dia seguinte Basílio vai se despedir de Luísa, mostrando-lhe um telegrama de Paris.
Ela o recebe com frieza. Com a partida, Luísa, desolada, sobe ao quarto. Juliana ao saber
da fuga de Basílio, é movida pela cólera,. Invade o quarto da patroa e descarrega tudo,
diz lhe que já estava cansada de trabalhar, queria descanso, ela ia pedir o dinheiro a
Basílio, mas com a fuga dele, sua casa seria falada em Portugal. Luísa, com o pouco de
orgulho que ainda lhe restava, pergunta-lhe o valor e Juliana diz seiscentos mil-réis para
não revelar nada a Jorge.
Luísa chora e Juliana reage, dizendo-lhe que ela também tinha chorado muito e não a
queria mal, queria apenas dinheiro.
Deitada Luísa pensa em pedir ajuda a Sebastião e à Leopoldina.
Ao levantar-se vai falar com Sebastião que lhe fala das cartas que recebera de Jorge.
Luísa arranca uma da mão dele e lê e fica estarrecida. Seu marido tinha feito uma
conquista também, era a mulher do estanqueiro e havia também a mulher do delegado.
Juliana, a conselho de tia Vitória, volta a trabalhar na casa de Luísa, ficaria lá, até
receber o dinheiro.

CAPÍTULO IX
Juliana toca no assunto do dinheiro, como Luísa não tinha, Juliana ameaça contar tudo a
Jorge, mas se acalma com alguns mimos.
A única saída que encontra é escrever a Basílio, só que a resposta nunca chegava e ela
se sente completamente só nesse problema.
Jorge telegrafa anunciando a sua volta. À noite Luísa tem outro pesadelo, sonha que ela,
Jorge e Basílio estão encenando o drama de Ernestinho. Nele, Jorge a mata e o único
amigo a defendê-la é Sebastião. Acorda com a voz de Jorge.
Dona Felicidade, Julião e o Conselheiro Acácio chegam e estranham o fato de as duas
criadas estarem de folga dois dias. Conversam sobre o exame de Julião, a condecoração
do Conselheiro Acácio, sobre o livro que estava escrevendo e para desespero de Luísa,
sobre adultério, pois viam um livro com a ilustração de um marido se preparando para
matar uma esposa adúltera.
Julião adverte Luísa sobre o problema cardíaco de Juliana e ela fica feliz em saber, pois
para ela, a morte da criada seria a solução para o problema.

CAPÍTULO X
Jorge voltara todo amoroso.
Juliana reclama de tudo. Pede uma esteira, uma arca e roupas novas para preenchê-la e posteriormente muda-se para o quarto em que Jorge guardava coisas da família.
Luísa enche Juliana de mimos e acaba tendo que dá-los a Joana também , pois a mesma
estava enciumada. A fama de que o casal era bom patrão se espalha e chegam várias
cartas de pessoas se oferecendo para trabalhar.
Juliana passa a usufruir cada vez mais do conforto da casa, exigindo a mesma comida dos patrões, a levantar-se tarde. Já Luísa, passa a se levantar mais cedo para deixar o serviço em ordem.
Jorge exige que Luísa mude de empregada, a esposa chora e Jorge Não consegue adivinhar o que acontece.
A situação se agrava quando Jorge encontra Luísa com o ferro de engomar. Irado, joga-o no chão.

CAPÍTULO XI
O Conselheiro Acácio, em comemoração ao título recebido pelo governo, a condecoração
de cavaleiro da ordem de São Tiago, dá um jantar em sua casa. Lá, Jorge, Julião,
Sebastião, o Sr. Alves Coutinho e Savedra, ouvem, de Conselheiro Acácio, a leitura de
parte do seu livro Descrições das Principais Cidades do Reino e seus Estabelecimentos.
Julião vai ao quarto do Conselheiro lavar as mãos, vê duas obras religiosas ao lado da
cama e um livro de poesias obscenas de Bocage escondida na gaveta da cabeceira. Nota
a marca de dois travesseiros na cama, o que revela a presença de uma amante: a criada
do Conselheiro.
À mesa, a discussão atinge vários assuntos: religião, política e mulheres. Enquanto o
Conselheiro se revela um conservador, Julião mostra o seu lado revolucionário: odeia a
igreja e acha que a solução para Portugal seria a revolução com algum derramamento
de sangue. –

Savedra diz Ter visto Luísa várias vezes na rua durante o verão, o que deixa Jorge
constrangido. Durante o café com licores, todos notam a bela criada do Conselheiro.
Numa escapada à biblioteca, Julião encontra várias obras do Conselheiro encalhadas.
Jorge, já em casa, questiona Luísa sobre suas saídas durante a sua ausência, a esposa
argumenta que tinha ido visitar uma amiga da infância.
Um dia, Luísa desmaiou e Julião, irritado por Ter tido os preparativos finais para o seu
exame interrompidos, vai atendê-la e diagnostica apenas cansaço. Mesmo doente, vai
varrer a casa e é surpreendida severamente por Jorge.
Durante uma cavaqueira, Juliana desmaia na cozinha e Julião adverte Jorge de que a
criada tinha uma doença grave, podendo morrer a qualquer momento.
Jorge decide despedi-la e Luísa se desespera.
No dia seguinte Luísa lê no jornal que o banqueiro partiria em breve e decide marcar, através de Leopoldina, o encontro para se entregar a ele, o que a salvaria de Juliana.
Castro e Luísa se encontram na casa de Leopoldina e quando ele tenta agarrá-la, ela se desvencilha dos braços do homem e o chicoteia, fato que faz Leopoldina rir. Luísa, desolada, deixa a casa da amiga, não conseguira o dinheiro.
.
CAPÍTULO XII
Enquanto Luísa passa roupas, Jorge surpreende Juliana deitada na poltrona lendo jornal.
Irritado, questiona a esposa que diz que a criada está doente e começa a chorar. Jorge
apelida a criada de “Rainha da casa”;

Juliana, temendo ao patrão, tenta assumir a sua função, mas sentia-se cada vez mais
fraca e não conseguindo fazer o seu serviço direito, acaba irritando Jorge, que exaltado,
despede-a aos gritos. Luísa fala com Juliana, mas a criada, além de não lhe dar atenção,
acaba por ameaçá-la e chamá-la de puta. Joana não suporta toda aquela cena e se atira
sobre a criada, dando-lhe uma bofetada. Juliana foge da cozinha, dizendo que ia embora.
Luísa, aos prantos, pede à Juliana que fique e ela exige da patroa que despeça Joana.
Luísa ajoelha-se aos pés da cozinheira e implora que ela se despeça sem dizer nada ao
patrão. Joana por piedade da patroa aceita o pedido.
Juliana vai ao quarto de Luísa descansar e “manda a patroa” se comportar direito.
Luísa vai à casa de Sebastião e revela-lhe tudo. O amigo fica indignado e, muito
comovido, arquiteta um plano para recuperar as cartas: arranja uma sessão de teatro,
camarote e uma carruagem para buscar Jorge, Luísa e Dona Felicidade.

CAPÍTULO XIII
A peça a que foram assistir era o Fausto. No primeiro intervalo um colega de Jorge os
encontra e deixa- os a par de que a mulher de um conhecido dos dois abandonara o
marido. No segundo, Dona Felicidade se exalta com a presença do Conselheiro Acácio.
No terceiro ato, quando um tenor canta a ária da sedução de margarida por Fausto, Luísa
lembra-se da noite em que fora seduzida por Basílio e teme pelo que poderia estar
acontecendo em sua casa naquele momento.
No início do quarto ato todos os pensamentos de Luísa estão voltados para a sua casa e
em Sebastião. Enquanto todos estão assistindo à peça, Sebastião e um amigo,
comissário de polícia, se dirigem e batem à casa de Jorge. Juliana abre a porta e
enquanto o amigo aguarda na sala, Sebastião pede que a criada o acompanhe até a
cozinha e exige as cartas de volta, caso contrário, ela seria presa. Juliana, sem saída,
atende ao pedido e começa a xingar. Sebastião, sem se exaltar, ameaça-a com a mais
absoluta miséria.
Juliana cospe no rosto de Sebastião e cai. Ele corre buscar Julião, mas o médico afirma
que ela estava “Irremediavelmente” morta, o desejo de Luísa se concretiza. O médico,
faminto como sempre, vai à cozinha comer enquanto conta a Sebastião que não
conseguira passar no concurso, mas como consolo, conseguira um cargo inferior.
Quando o casal chega, Sebastião deixa-os a par da novidade. Luísa se recusa a dormir
em casa e vão passar a noite na casa de Sebastião.

CAPTULO XIV
Após a noite agitada, Luísa acorda com febre e segundo Julião, era apenas uma febre
nervosa. Com a morte de Juliana, Joana volta a trabalhar na casa.
Mariana, a nova criada, acha Luísa um doce. Luísa começa a Ter crises de febre e piora.
Julião diz que o quadro inspirava cuidados. Era uma febre nervosa causada por algum
tipo de excitação mental. Jorge recebe uma carta de Paris para Luísa e para não
incomodar a esposa, abre-a . Era Basílio respondendo ao pedido de dinheiro que Luísa
lhe fizera e como já havia se passado mais de dois meses ele esperava que o problema já
houvesse sido solucionado. Termina por fazer-lhe juras de amor e referências ao Paraíso.
Jorge chora e lembra-se de que não podia incomodar a esposa.
A pedido de Luísa, vai ao quarto, ela o vê aflito, quase chorando. Julião chega e o
repreende por estar no quarto daquele jeito.
Jorge, com ciúmes e sofrimento, questiona o que havia acontecido e chega à conclusão
de que a morta possuía o segredo. Mostra a carta a Sebastião que nada lhe revela e pede
apenas que se acalme.

Luísa melhora gradativamente, tecendo planos e deixando Jorge cada vez mais
angustiado.
Julião autoriza a presença de Luísa no encontro dos domingos à noite. O assunto era o
sucesso da estréia de Ernestinho. O autor revela a Jorge que mudara o final, perdoando a
heroína. Todos se lembram da postura inicial de Jorge em relação à mulher adúltera, mas
ele confessa Ter mudado de idéia e nervoso, retira-se para o escritório.
Na hora de deixarem a casa, Julião brinca ao dizer que ia na mesma carruagem no meio
de dois grandes movimentos de Portugal desde 1820. A literatura, representada por
Ernestinho e o Constitucionalismo, pelo Conselheiro Acácio.

CAPÍTULO XV
Jorge encontra Luísa bem disposta e ela, ao ver sua tristeza o interroga. O marido
estende-lhe a carta e ao ver a letra de Basílio, Luísa desmaia.
Ao acordar, depara-se com o rosto de Jorge e desmaia novamente. Acorda e chama
Jorge, que lhe diz que a carta não lhe interessava mais. As dores de cabeça de Luísa se
agravam, ela começa a suar frio, gritar com qualquer barulho, delirar, contorcer-se de dor,
sentir muita sede e mencionar nomes estranhos o tempo todo. Julião diz que será
necessário cortar o cabelo da paciente para que as compressas, façam efeito. Jorge
implora para que o médico espere mais um dia e vara a noite em claro.
No dia seguinte, chega o barbeiro e Jorge, não suportando a cena, esconde-se no
banheiro. – percebe-se aí, a falta de profundidade psicológica de Jorge, que demonstrase
apegado à aparência da esposa ao não aceitar que cortem o cabelo dela, mesmo que
seja para salvar-lhe a vida.
Luísa melhora um pouco e Jorge pede que chamem um antigo médico da família, o
Doutor Caminha.
Luísa, em um momento de lucidez, chama por Jorge e percebe que está careca. Pouco
depois piora.
Doutor Caminha, ao chegar, coloca-lhe um cáustico, o que é inútil. Julião avisa a
Sebastião de que Luísa estava perdida. Dona Felicidade quer chamar um padre, mas
Julião não concorda. Dona Felicidade vai falar com Jorge, que desesperado, questiona os
desígnios de Deus e da religião, ou seja, não era justo Deus fazer tudo aquilo com ele.
Julião lembra a todos de que precisavam comer; Jorge tenta, mas não consegue. Ajoelhase
ao lado da esposa, implorando-lhe que melhorasse e rogando a Deus pela saúde da
mesma.
Os médicos, em vão, tentam reanimá-la com conhaque. Sebastião retira Jorge do quarto,
que abre uma caixa para contemplar os cabelos da mulher.
Enfim, Luísa morre.

CAPÍTULO XVI
Após o enterro Jorge despede as empregadas e vai morar com Sebastião. Dona
Felicidade entra para um convento. Em casa, o Conselheiro Acácio enquanto escreve um
necrológio cheio de lugares-comuns, é interrompido por Adelaide, sua criada e amante, que o chama para a cama.
Basílio retorna a Lisboa e ao chegar à casa de Luísa, é informado por Paula que Luísa
morrera e que Jorge estava na casa de Sebastião. Ele empalidece e se despede.
A vizinhança comenta a falta de consideração do parente. Todos dizem que rezam para a
defunta todas as noites, menos Paula que é contra a igreja. – Postura anticlerical.
Basílio e o visconde Reinaldo passeiam devagar e falam de Luísa. Para Reinaldo ela não
era uma amante chic, andava em tipóias, usava meias de tear, casara com um reles
indivíduo da secretaria, vivia numa casinhola, não tinha toilette... era um trambolho.
Basílio, de cabeça baixa responde que ela lhe serviu para os dois meses que ele ficara
em Lisboa e lamentando não ter trazido Alphonsine, vão tomar Xerez na Taverna Inglesa.

 

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