CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
O livro inova a criação
literária da época com uma crítica demolidora e sarcástica dos costumes da
pequena burguesia de Lisboa. Eça de Queiroz ataca uma das instituições mais
sólidas: o casamento. Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas
geradas a partir de sentimen-tos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com
motivações vulgares e medíocres – apesar de tudo isso, ao mesmo tempo em que
ataca, desperta o interesse da sociedade lisboeta. Embora o adultério fosse tema já trabalhado pelo Romantismo, Eça de Queiroz explora o erotismo quando detalha a relação entre os amantes. Inova também ao incluir diálogos sobre homossexualismo. O autor, que já mostrara sua opção por uma literatura ácida e nada sentimental em O Crime do Padre Amaro, cria personagens fisicamente decadentes – cheios de doenças e catarros – e de comportamento sexual promíscuo.
O Primo Basilio é uma obra naturalista e realista. A escola realista propõe uma criação literária apoiada na análise objetiva da realidade. O narrador aparece como um observador imparcial, que vê os acontecimentos com neutralidade e que domina as informações sobre o contexto no qual o enredo acontece. O Naturalismo traz uma preocu-pação a mais: tenta introduzir o método científico na obra literária e, com isso, intensifica e amplia as tendências básicas do Realismo.
O PRIMO
BASÍLIO
Inova a criação literária da
época com uma crítica
demolidora e sarcástica dos
costumes da pequena
burguesia de Lisboa. Eça de
Queirós ataca uma das
instituições mais sólidas: o
casamento. Com personagens despidos de virtude, situações dramáticas geradas a
partir de sentimentos fúteis e mesquinharias, lances amorosos com motivações
vulgares e medíocres – apesar de tudo isso, ao mesmo tempo em que ataca,
desperta o interesse da sociedade lisboeta. Embora o adultério fosse tema já
trabalhado pelo Romantismo, Eça de Queirós explora o erotismo quando detalha a
relação entre os amantes.
Inova também ao incluir diálogos
sobre homossexualismo.
O autor, que já mostrara sua
opção
por uma literatura ácida e nada
sentimental em
O Crime do Padre Amaro, cria
personagens fisicamente decadentes – cheios de doenças e catarros
– e de comportamento sexual
promíscuo.
O Primo Basílio é uma obra
naturalista e
realista. A escola realista
propõe uma criação literária
apoiada na análise objetiva da
realidade. O
narrador aparece como um
observador imparcial,
que vê os acontecimentos com
neutralidade e que
domina as informações sobre o
contexto no qual o
enredo acontece. O Naturalismo
traz uma preocupação a mais: tenta introduzir o método científico
na obra literária e, com isso,
intensifica e amplia as
tendências básicas do Realismo.
CENÁRIO
O continente europeu passava por
um
processo de transformação
radical. A Revolução
Industrial iniciada no século
anterior, na Inglaterra,
provocou uma industrialização
acelerada em
vários países. As cidades
cresciam rapidamente,
camponeses transformavam-se em
operários urbanos
e a vida cultural ia se
diversificando. Londres,
Berlim, Viena e principalmente
Paris eram os centros
de um vigoroso processo
criativo. Enquanto
isso, Portugal mantinha-se
apegado às glórias do
passado. O país não chegou a
desenvolver uma
burguesia empreendedora e
capitalista, nem uma
elite intelectual significativa
que fizesse desenvolver
as artes e as ciências. A elite
de Lisboa vivia
apegada às glórias coloniais
passadas. De costas
para o futuro, vivia centrada em
sua vida sem
perspectivas.
Eça de Queirós faz parte de uma
geração
de jovens intelectuais, centrada
em Coimbra, que
reagem contra o atraso do país.
Eles criticam o
Romantismo como um sinônimo
desse atraso. E
com seus Realismo e Naturalismo
pretendem incorporar à Literatura os métodos científicos próprios
das ciências naturais. O autor
disseca essas
deformações da sociedade
lusitana e explica sua
fonte de pesquisa e inspiração
neste trecho de uma
carta enviada a Teófilo Braga,
seu amigo e colega,
também um doutrinário do
Naturalismo e futuro
presidente da República
portuguesa.
ENREDO
O pano de fundo da narrativa de
O Primo
Basílio é um caso de adultério.
Já no primeiro capítulo, o autor lança as sementes do conflito que dá
pretexto para o livro. Descreve
o marido que viaja,
contrariado, a trabalho; a
esposa que descobre que
o primo e ex-noivo revisita a
cidade e as lembranças
que a notícia evoca. Introduz a
criada Juliana,
ressentida e frustrada, que terá
um papel decisivo
no desfecho trágico do romance.
No segundo capítulo, o autor
apresenta as
figuras secundárias, enfocadas
durante breves
visitas dominicais à casa de
Luísa e Jorge. A relação
amorosa clandestina mantida por
Luísa e Basílio
é descoberta pela criada que, de
posse de uma
carta dos amantes, chantageia a
patroa. Abandonada
pelo amante, que foge para
Paris, Luísa não
suporta a tensão e morre.
PERSONAGENS
Os
personagens que recheiam a obra de
Eça de
Queirós na sua fase naturalista, como em O
Primo
Basílio, são planos, ou seja, são o oposto dos
personagens
de grande intensidade interior e psicológica
– os
personagens esféricos. Na Literatura
brasileira,
Capitu (Dom Casmurro), de Machado
de
Assis, cheia de sentimentos complexos, é a mais
esférica
de nossos personagens femininos. Em O
Primo
Basílio, toda a intensidade é reservada para
a trama.
Os personagens apenas são por ela envolvidos e arrastados. Ou seja, a realidade
objetiva é que molda e define a vida dos homens.
Luísa,
uma burguezinha da Baixa
Na
descrição que o próprio Eça de Queirós
faz na
carta a Teófilo Braga, Luísa é "a burguezinha
da
Baixa" (Lisboa, Cidade Baixa): uma senhora
sentimental,
mal-educada, sem valores espirituais
ou senso
de justiça. É lírica e romântica, ociosa e
"nervosa
pela falta de exercício e disciplina moral".
Luísa é
esposa de Jorge, engenheiro de minas que
ela
conheceu após o abandono e rompimento (por
carta)
do noivado com o primo Basílio. Sua vida
tranqüila
de leitora de folhetins é alterada pela
viagem
domarido e o retorno do primo a Portugal.
O motivo
que a leva a se entregar a Basílio,
de
acordo com as reflexões de Eça, nem ela sabia.
Uma
mescla da falta do que fazer com a "curiosidade
mórbida
em ter um amante, mil vaidadezinhas
inflamadas,
um certo desejo físico...".
Basílio,
um maroto sem paixão
O primo
e ex-noivo que retorna a Portugal
na
ausência do marido de Luísa é para Eça de
Queirós
"um maroto, sem paixão nem a justificação
de sua
tirania, que o que pretende é a vaidadezinha
de uma
aventura e o amor grátis".
Malicioso
e cheio de truques para atrair a
amante
explorando a sua vaidade fútil, Basílio
compara
a fidelidade conjugal a uma demonstração
de
atraso das mulheres de Lisboa frente aos
hábitos
supostamente liberais e modernos das
senhoras
de Paris – todas com seus amantes, conforme
assegurava
o primo.
Desprovido
de charme ou atributos mais
sedutores,
é o mais cínico dos personagens "conquistadores" de Eça de Queirós.
Em momentos de
maior
dramaticidade, quando começam a enfrentar
as
conseqüências do adultério, o cinismo de
Basílio
fica mais evidente: ele pensa apenas que
teria
sido mais vantajoso trazer consigo uma amante
de
Paris.
Juliana:
ódio e chantagem
A criada
Juliana faz desmoronar o mundo
de Luísa
ao chantageá-la com cartas roubadas. É a
figura
que aparece com alguma intensidade interior,
destoando
um pouco das razões fúteis que movimentam
os
demais personagens.
Ela é
conduzida pela revolta (não suporta
sua
condição de serviçal), pela frustração (fracassou
na
tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso
contra a
patroa (ódio, na verdade, contra
todas as
patroas que a fustigaram por 20 anos).
Assim
como Basílio, Juliana tentará tirar
proveito
das circunstâncias, reunindo provas do
adultério
para fazer chantagem. Mas ela pretende
mais do
que dinheiro – que exige sem sucesso de
Luísa –,
ela quer a desforra. E os recursos que utiliza
levarão
ao definhamento físico e emocional da
patroa
até o desfecho da história.
Jorge, o
marido traído
Todo o
drama iniciado com o roubo das
cartas
se deve à tentativa de Luísa de impedir que
Jorge
saiba do adultério. Com aparições curtas no
romance,
sua presença se faz sentir pelo papel
social
que representa: é o marido. E a forma como
poderá
reagir à infidelidade é especulada pelo
narrador
por meio de outro personagem, de forma
metalingüística.
Ernestinho Ledesma, autor medíocre
que
prepara uma peça teatral sobre um caso
de
adultério, pede a Jorge uma opinião sobre o
final de
sua obra. Um marido deve matar a mulher
adúltera?
Personagens
secundários
Os
personagens secundários completam o
quadro
social lisboeta. O Conselheiro Acácio, freqüentador do círculo próximo de
Luísa, um dos
mais
citados e conhecidos personagens de Eça, é o
intelectual
vazio. Sua habilidade em dizer o óbvio
com
empáfia deu origem à expressão "verdades
acacianas".
Joana é a cozinheira que enfrenta Juliana
por
dedicação à patroa; Dona Felicidade é a de
"beatice
parva de temperamento irritado". E também
há,
"às vezes, quando calha, um pobre bom
rapaz"
– Eça refere-se a Sebastião, que se propõe a
recuperar
as cartas tomadas pela criada. Na carta a
Teófilo
Braga, Eça assegura: "Eu conheço 20 grupos
assim
formados. Uma sociedade sobre essas falsas
bases
não está na verdade: atacá-las é um dever".
ESTILO E
LINGUAGEM
A obra
de Eça adapta o texto literário ao
ritmo e
à modulação da língua falada. Assim, rejuvenesce
a
linguagem literária, mesclando-a com
recursos
de abordagem mais próximos do jornalismo.
Detalhismo
É
notável o esmero detalhista do autor na
descrição
de uma confeitaria, neste trecho extraído
do
capítulo IV, em que combina elementos gerais e
particulares,
objetividade e subjetividade.
Fotografia
lírica dos ambientes
Eça
resgata a dimensão da prosa poética
na
"fotografia" meticulosa e lírica que faz dos ambientes.
Visão
crua dos personagens
O
narrador na terceira pessoa é onisciente.
Eça
deixa a vulgaridade de Basílio transparecer
nos
comentários que o primo faz sobre suas viagens
e nos
galanteios à prima, mas prefere descrever a cafajestice do conquistador
retratando os
pensamentos
grosseiros de Basílio.
A
combinação da leveza e do brilho das
descrições
com o relato grosseiro da realidade é
outra
marca estilística de Eça de Queirós. Ele opõe
a
expectativa romântica de Luísa e a ironização de
suas
idealizações ao descrever as atitudes grosseiras
do
amante Basílio. Bem ao gosto do Naturalismo,
compara
seres humanos com animais dominados
por seus
instintos, definindo a criada Juliana
como uma
loba.
ESTUDO CRÍTICO DE UM DOS EIXOS DA OBRA
O fato de o
livro O primo Basílio
tratar, dentre outros assuntos, da relação dominadores e dominados, fato
percebido na relação entre Luísa e Juliana, foi o que levou-me a escolhê-lo
para este artigo, a fim de mostrar que o oprimido, levado pela revolta de ser
submisso e subjugado, utiliza, ás vezes, de meios que vão de encontro à ética e
aos bons costumes, para conseguir a tão sonhada ascensão social, isto é, a passagem
do mundo dos dominados para o mundo dos dominadores. Diante disso, esse artigo visa estudar o romance O primo Basílio, de Eça de Queirós, a partir da luta de classes; pesquisar as relações socioeconômicas (dominadores e dominados) e; identificar os meios utilizados pelo quarto poder (Povo) na luta pela ascensão social em O primo Basílio.
Para tal, esse artigo está dividido em três partes assim intituladas: O primo Basílio: um romance realista/naturalista; Das relações entre dominadores e dominados em O primo Basílio e; Juliana: de dominada à dominadora.
A primeira parte apresentará inicialmente uma breve análise do realismo, ressaltando as características realistas presentes em O primo Basílio. Posteriormente, será apresentada uma fundamentação teórica em torno do tema relações socioeconômicas entre dominadores e dominados, tomando por base diferentes autores.
A terceira parte apresentará uma análise do livro O primo Basílio, onde será ressaltado o efeito boomerang da personagem Juliana para com a personagem Luisa, ilustrando, com fragmentos do livro, o uso de meios coercivos pela personagem Juliana, com a finalidade de passar de dominada à dominadora, visando apenas à ascensão social.
O PRIMO BASÍLIO: UM ROMANCE REALISTA/NATURALISTA
De acordo com Massuad Moisés (1972), os realistas reagiram de forma violenta e contrária ao Romantismo. Ao contrário do Romantismo, o Realismo pregava a filosofia da objetividade. O foco de interesse era o objeto, ou seja, aquilo que está fora do indivíduo, o “não-eu”.
Para tal, os realistas concentram-se no objeto e tinham de destruir a sentimentalidade e a imaginação romântica com vistas à realidade objetiva: a razão ou a inteligência. Nesse sentido, pode-se dizer que o realismo tinha como característica o racionalismo, uma vez que os realistas procuravam ser racionais na visão do objeto e na busca da verdade impessoal e universal.
Em relação à arte, o realismo funcionava como um espelho da sociedade burguesa do tempo que se via patenteada da sua larga e profunda descomposiçao moral. Como obra de ataque, o realismo satisfazia-se em mostrar o mal sem lhe dar remédio, salvo o que ia implícito na análise, que era o fato de deslocar a classe burguesa da hegemonia social
O romance passa a ser, no Realismo, obra de combate, arma de ação reformadora da sociedade burguesa dos fins do século XIX. Transforma-se em instrumento de ataque e demolição, por um lado, e de defesa implícita de ideais filosóficos e científicos, por outro. (MOISÉS, 1972, p. 234).
Visando a destruição do pensamento romântico, o romance realista/naturalista mostrou que a burguesia, o clero e a monarquia, poderes sobre os quais se apoiava o estilo de vida no romantismo, não tinham forças suficientes para resistir às novas descobertas científicas e filosóficas da segunda metade do século XIX.
O período realista/naturalista foi marcado pelo desejo de redefinir as relações entre literatura e sociedade, no sentido dos leitores tomarem consciência de uma realidade que muitos não queriam ou não podiam ver. O escritor realista/naturalista tinha por função revelar as regras, os problemas, os comportamentos e o funcionamento inadequado da sociedade.
Para pôr a mostra o declínio completo da instituição burguesa, os realistas atacaram de frente o seu núcleo; o casamento, trazendo nu as misérias que o destroem como alicerce da burguesia, misérias essas condensadas no adultério, tornando lugar comum elegante. (MOISÉS, 1972, p. 235).
Nesse sentido, os realistas mostram que o pensamento burguês se funda na luxúria, no conforto material trazido pelo dinheiro ou convenções sociais, o que implica na destruição do casamento pelo adultério.
Segundo Massuad Moisés (1972), Eça de Queirós adere à teoria realista a partir de 1871, quando passa a escrever obras de combate as instituições vigentes (monarquia, clero, burguesia) e de ação e reforma social. Com O Primo Basílio, Eça faz a análise de uma família pequeno-burguesa e sonda as moléstias degenerescentes no centro nelvrágico da nação e penetra no recesso de um lar burguês “sólido e feliz”, e descobre a existência de igual podridão moral e física: o casamento deixava-se atingir mortalmente pelo adultério. Nesse sentido, Eça denuncia o adultério como conseqüência nefasta da literatura romântica lida por Luisa.
Eça de Queirós definiu o Realismo como uma base filosófica para todas as concepções de espírito - uma lei, uma carta de guia, um roteiro do pensamento humano, na eterna região do belo, do bom e do justo. Para ele, o realismo é a crítica do Homem para condenar o que houver de mau na nossa sociedade. É não simplesmente o expôr (o real) minudente, trivial, fotográfico, mas sim partir dele para a análise do Homem e sociedade.
As características gerais do Realismo são: a análise e síntese da realidade com objetividade, em oposição à subjetividade romântica; exatidão, veracidade e abundância de pormenores, com o retrato fidelíssimo da natureza; total indiferença perante o "Eu" subjetivo e pensante perante a natureza (o "Eu" romântico); neutralidade de coração perante o bem e o mal, o feio e o bonito, vício e virtude; análise corajosa de vícios e podridão da sociedade; relacionamento lógico entre as causas desse comportamento (biológicas ou sociais, e a natureza interior e exterior da personagem); admissão de temas cosmopolitas na literatura; uso de expressões simples e sem convencionalismos (por oposição ao tom declamatório romântico).
É importante ressaltar que o Naturalismo difere do Realismo, mas não é independente dele. Ambos crêem que a arte é a representação mimética e objetiva da realidade exterior. Foi a partir desta tendência geral para o Realismo mimético que o Naturalismo surgiu, sendo por isso muitas vezes encarado como uma intensificação do Realismo. As características principais são: tentativa de aplicar à literatura as descobertas e métodos da ciência do séc. XIX (filosofia, sociologia, fisiologia, psicopatologia, etc), tentando explicar as emoções através da sua manifestação física (apresenta, assim, mais razões científicas do que o simples descrever dos fatos do Realismo); resultou muitas vezes na escolha de assuntos mais chocantes (alcoolismo, jogo, adultério, opressão social, doenças, as suas causas e conseqüências).
Eça de Queirós, “maior nome do Naturalismo em Portugal” (ELIA, 1971, p. 279), foi um impiedoso crítico da sociedade portuguesa, que era representada, de acordo com seu pensamento, pelo mundo burguês, sentimental e explorador. Eça, como crítico, muitas vezes impiedoso, da sociedade portuguesa, sentiu a necessidade de reformas sociais, por isso, a tudo moralizou.
Eça deixa transparecer que escreve com o objetivo social, ao atacar a família lisboeta, que para ele é produto do namoro, reunião desagradável de egoísmos que se contradizem e, ao atacar a pequena burguesia, através de um grupo social alicerçado em falsas bases no meio da transformação moderna.
O Primo Basílio é um de seus livros mais polêmicos, visto que ele tematiza o adultério, tema tabu no romantismo, mas um dos preferidos dos realistas/naturalista. O livro é uma crítica profunda aos padrões burgueses e tenta demonstrar, a todo o momento, as características maléficas dessa classe, sobretudo a lisboeta.
DAS RELAÇOES ENTRE DOMINADORES E DOMINADOS EM O PRIMO BASÍLIO DE EÇA DE QUEIRÓS.
Segundo Darcy Ribeiro (1995), as classes ricas e as pobres se separam uma das outras por distâncias sociais e culturais quase tão grandes quanto as que medeiam os povos distintos. Essas diferenças sociais são remarcadas pela atitude de fria indiferença com que as classes dominantes olham para o depósito de miseráreis, de onde retiram a força de trabalho de que necessitam.
Para Marx (apud MEKSENAS, 2001, p. 84), “sociedade organiza-se de modo a dar origem a duas classes sociais: os burgueses e os trabalhadores”. Os primeiros são considerados compradores da força de trabalho, enquanto os segundos são os que nada têm, além de sua capacidade de trabalhar, a qual vende ao burguês em troca de um “salário”.
Ainda segundo Marx (apud MEKSENAS, 2001) essas duas classes relacionam-se de modo a criar um conflito, o que é percebido se nos atentarmos ao fato de que a burguesia nunca paga ao trabalhador um salário condizente à sua força de trabalho, visto que os trabalhadores são condenados a se alimentarem mal, a se vestirem mal, a morar em péssimas condições e a ter uma saúde deficiente, como é o caso de Juliana em O primo Basílio. “O trabalhador, por sua vez, luta por sua saúde: por arrancar mais um par de horas de descanso por dia, nas quais poderá sentir-se humano, e não um animal nascido para trabalhar, comer e dormir” (MEHRING, 2003, P. 23).
Assim, a classe dominadora, detém, graças ao apoio da classe dominada, o poder efetivo sobre a sociedade, e a classe dominada, por sua vez, são os excluídos, os “pré-destinados” a viverem a margem da sociedade.
Em contrapartida, Darcy Ribeiro afirma que para que os dominados tenham perspectivas de integrar a vida social rompendo toda a estrutura de classes, cabe a classe oprimida “o papel renovador da sociedade como combatente da causa de todos os outros explorados e oprimidos” (RIBEIRO, 1995, p. 210).
Marx atribui aos trabalhadores a condição de classe revolucionária, quer dizer, aquela classe que pode contribuir para a construção de uma nova sociedade sem explorados nem exploradores, por sua capacidade de se organizar e de lutar por seus direitos.(MARX apud MEKSENAS, 2001, P. 86).
Entretanto, é mister ressaltar que a classe dos oprimidos não é homogênea. No interior da classe trabalhadora existem diversas divisões que podem dificultar a união dos trabalhadores em função de uma luta em comum. A exemplo, pode-se citar Juliana e Joana, as duas empregadas domésticas em O primo Basílio. Enquanto Juliana não se conformava com a vida que lavava e queria ascender financeiramente, Joana acreditava que a vida sempre foi e sempre seria daquela forma, restando a ela apenas a fidelidade e a amizade a sua patroa.
Nesse sentido, Joana ao contrário de Juliana, possui uma visão de mundo acrítica e passiva, uma vez que aceita a exploração como sendo algo natural que sempre existiu e sempre existirá. Nessa perspectiva afirma Tânia Quintaneiro:
O trabalho produtivo acaba por tornar-se uma obrigação para o proletário, o qual, não sendo possuidor dos meios de produção, é compelido a vender sua atividade vital que não é para ele mais do que um meio para poder existir. Ele trabalha para viver. (QUINTANEIRO, 2002, p.52).
Juliana, ao contrário, reconhecia-se como explorada e quando o oprimido percebe-se como submisso e subjugado e a partir de então começa a lutar por uma transformação, pode-se dizer, que nesse momento, começa a luta de classes. O oprimido lutando por um papel participante e legítimo na sociedade, ou seja, por uma vida melhor e; o a burguesia lutando para manter a hegemonia sobre a classe oprimida.
Esse fato é claramente percebido em O Primo Basílio visto que o quarto poder (povo), representado por Juliana, insurge contra o segundo poder (burguesia) representado por Luísa, o que vai resultar numa luta de classes pautada na troca de papéis, quem começa mandar é a criada.
E desde esse dia Juliana saboreava com delicias, com gula, muito consigo – aquele gozo de ater “na mão”, a Luisinha, a senhora, a patroa, a piorrinha! [...]. Aquilo dava-lhe um orgulho perverso. Sentia-se vagamente dona da casa. Tinha ali fechada na mão a felicidade, o bom nome, a honra, a paz dos patrões! Que desforra! (QUEIRÓS, 1997, p. 247).
Nesse sentido convém citar Tânia Quintaneiro quando afirma: “É por meio da luta de classes que as principais transformações estruturais são impulsionadas, por isso ela é dita “o motor da história”. A classe explorada constitui-se assim no mais potente agente de mudança. (QUINTANEIRO, 2002, p. 43)
Dessa forma, em O primo Basílio, temos de um lado Luísa (burguesia), mulher ociosa que passa os dias lendo romances românticos e do outro Juliana (povo), uma criada amarga que pretende a nível individual, reverter o processo de exploração recusando-se a continuar sendo explorada e subjugada.
Para tal, Juliana baseia-se na luta pela ascensão financeira, livre dos limites “impostos” pela ética e pelos bons costumes. Para ela os valores só são úteis até que sejam extremamente necessários para alcançar seu objetivo.
Nesse sentido, convém fazer alusão ao pensamento de Max Weber em relação a ação do indivíduo, que no caso específico de Juliana é uma ação classificada como racional com ralação a fins, visto que para atingir seu objetivo, ela lança mão dos meios necessários ou adequados para conseguir alcançá-lo.
A questão para o agente que visa chegar ao objetivo pretendido recorrendo aos meios disponíveis é relacionar entre estes os mais adequados. A conexão entre fins e meios é tanto mais racional quanto mais a conduta se dê rigorosamente e sem a interferência perturbadora de tradições e afetos que desviem seu curso.(QUINTANEIRO, 2002, p.116).
Assim, para Juliana os fins justificam os meios e por isso ela usa de todas as “armas” possíveis e cabíveis para alcançar o seu objeto de desejo, o que resulta na busca do TER em detrimento de SER.
JULIANA: DE DOMINADA À DOMINADORA
Segundo Reinaldo Dias (2000), é a posição social do indivíduo que determina o comportamento ou o papel do indivíduo, estabelece normas de conduta para serem seguidas, fixa direitos e obrigações, torna as pessoas objeto de dominação ou de recriminação. A relação entre as pessoas é determinada primeiramente por seu status.
Para ele, o que caracteriza o status é um modo de vida, uma maneira de consumir, de morar, de vestir-se, e uma certa forma de educação no sentido mais amplo da palavra.
Percebe-se, então, que a sociedade é dividida, de um lado por uma situação de status que implica na dominação, no poder, evidenciado pelo prestígio e honra; e do outro por uma situação de status baseado na submissão e na pobreza. Há, assim, a existência de classes que estão em permanente oposição o que indica a existência de opressores e oprimidos.
Entretanto, quando os grupos têm consciência de suas divergências, existindo entre eles a rivalidade, estabelece-se, então, o conflito, que segundo Dias (2000, p. 93) “é um processo pelo qual pessoas ou grupos procuram recompensar pela eliminação ou enfraquecimento dos competidores”.
No romance O primo Basílio de Eça de Queirós, percebe-se que o ficcionista utiliza a personagem Juliana (povo) como superfície de contraste à personagem Luisa (burguesia), porquanto parece representar a classe oprimida e sofredora dos criados de servir em litígio com os privilégios patronais.
[...] odiou, sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril. [...] odiava a todas, sem diferença. É patroa e basta! [...] cada riso delas era uma ofensa à sua tristeza doentia; cada vestido novo uma afronta ao seu vestido de merino tingido.Detestava-as na alegria dos filhos e na prosperidade da casa. Rogava-lhes pragas. (QUEIRÓS, 1997, p. 77 – 78).
Assim, O primo Basílio nos remete a uma leitura sociológica na medida em que ficcionaliza estratos sociais, fato claramente percebido nesse fragmento:
[...] tenho passado anos e anos a ralar-me! Para ganhar meia moeda por mês, estafo-me a trabalhar, de madrugada até à noite, enquanto a senhora esta de pânria! [...] Há um mês me ergo com o dia, pra meter em goma, passar, engomar! [...] E a senhora, são passeios, tipóias, boas sedas, tudo o que lhe apetece.(p.268).
Pode-se perceber no fragmento, que temos de um lado, a burguesia, corrupta e sonolenta na mulher ociosa alimentada por romances românticos; e do outro, o povo representado por Juliana, criada subjugada que pretende a todo custo reverter a situação de opressão e dominação.
No romance aludido, Juliana é retratada como uma mulher que servia há vinte anos e durante esse tempo vivia a dormir em cacifros, a levantar-se de madrugada para trabalhar como uma escrava até à noite, obrigada a comer restos e a vestir trapos. Entretanto Juliana nunca se acostumava a servir, sua ambição, desde nova, era ter um negócio onde pudesse mandar, ou seja, ser patroa.
Juliana detestava patroas e a vida que levava, desde que servia percebia a hostilidade com que era tratada. Tornou-se amarga, repugnava as mazelas a que era submetida e queria a qualquer custo livrar-se dessa vida.
Dessa forma, percebe-se que o passado de Juliana justifica todo o ódio e o azedume que nutre contra todos, sobretudo sobre Luísa, sua patroa.
E a cada dia detestava mais Luísa. Quando pela manhã a via arrebicar-se, perfumar-se com água-de-colônia, mirar-se ao toucador cantarolando, saia do quarto porque lhe vinham venetas de ódio, tinha medo de estourar! Odiava-a pelas toilettes, pelo ar alegre, pela roupa-branca, pelo homem que ia ver, por todos os seus regalos de senhora. (QUEIRÓS, 1997, p. 198).
Para reverter toda a situação de submissão e humilhação, Juliana vivia em busca de um segredo, por menor que fosse, via nisso uma possibilidade de melhores dias de vida, por isso tinha um modo de andar ligeiro e surpreendedor. “Qualquer carta que vinha era revirada, cheirada... Remexia sutilmente em todas as gavetas abertas; vasculhava em todos os papéis atirados. [...] andava a busca de um segredo, de um bom segredo!” (p. 79).
Ao descobrir a traição de Luísa, a criada Juliana intercepta algumas das cartas amorosas da patroa e passa a ver nelas a conquista do seu objeto de desejo: a tão sonhada ascensão financeira e passa, a partir de então, a chantagear Luísa em troca de seiscentos mil réis. – Ao inferno! – ou me dá seiscentos mil-réis, ou tão certo como eu estar aqui, o seu marido há de ler as cartas! (p.268).
À Juliana, a criada, uma imagem indelével da exploração e do sofrimento, caberia como sempre coube, pagar a conta, trabalhar dobrado para compensar o dispêndio da aventura. Mais é nesse ponto do romance que percebe-se a transformação social, de dominada Juliana passa a ser dominadora. Em vez de pagar, Juliana, do seu lugar social desprivilegiado, irá cobrar a conta da imprudência de Luísa. Cobrança de uma conta antiga, pautada na humilhação e exploração.
“[...] uma criada! A criada é o animal. Trabalha se pode, se não rua, para o hospital. Mas chegou-me a minha vez – e dava palmadas no peito, fulgurante de vingança. – quem manda agora, sou eu!” (p.269).
De posse das cartas, Juliana entra a exercer tirânico e vingativo domínio sobre Luisa, que adoece de morte. [...] a Juliana sempre na rua, ou metida no quarto a trabalhar para si, sem se importar, deixando tudo ao deus-dará, e a pobre senhora a varrer, a passar, a emagrecer! (p. 340).
Assim como Basílio, Juliana tentará tirar proveito circunstâncias, reunindo provas do adultério para fazer chantagem. Mas ela pretende mais do que dinheiro - que exige de Luísa sem sucesso; ela quer a desforra. E os recursos que utiliza levarão o definhamento físico e emocional da patroa, até o desfecho da história.
Pode-se perceber, então, que para Juliana os valores só são úteis até que sejam extremamente necessários para alcançar seu objetivo e para tal, usaria de qualquer arma.
Juliana bem alojada, bem alimentada, com roupa fina sobre a pele, colchões macios, saboreava a vida; o seu temperamento adoçara-se naquelas abundancias.[...] E no meio daquela prosperidade – Luisa definhava-se. Até onde iria a tirania de Juliana? (QUEIRÓS, 1997, p. 310).
Sobre esse prisma, convém citar as idéias de Fanon (2004) quando ele afirma que a questão da violência do subjugado justifica a utilização de meios violentos para derrubar o dominador e vê na violência uma práxis totalizante que liberta o oprimido de suas alienações.
Para Fanon, “o colono criou o colonizado e é este que está fadado a destruí-lo, libertando-se e libertando-o” (apud CABAÇO, 2004, p. 73). Segundo ele, a revolta violenta do oprimido é a única tentativa realmente eficiente no caminho da libertação.
[...] se os amos tinham um dia de contrariedade, ou via as caras tristes, cantarolava todo o dia em voz de falsete a Carta AdoradaI! [...] Todos os lutos a deleitavam e sob o xale preto, que lhe tinham comprado, tinha palpitações de regozijo. Tinha visto morrer criancinhas, e nem a aflição das mães a comovera. (p. 78).
A criada Juliana faz desmoronar o mundo de Luísa ao chantageá-la com cartas roubadas. Ela se conduz pela revolta (não suporta sua condição de serviçal), pela frustração (fracassou na tentativa de mudar de vida), pelo ódio rancoroso contra a patroa (ódio, na verdade, contra todas as patroas que a escravizaram por 20 anos). “[...] A ama era para ela o Inimigo, o Tirano. Tinha visto morrer duas, - e de cada vez sentira, sem saber por quê, um vago alívio, como se uma porção do vasto peso, que a sufocava na visa, se tivesse desprendido e evaporado!” (p.78).
Nesse sentido Fanon (2004) defende o temido efeito boomerang do oprimido para com o opressor, o qual baseia-se no fato de que a violência que o colonizado sofrera deve voltar-se contra o colonizador, deve tornar-se contra-violência na recuperação da dignidade humana do colonizado. “Juliana pôs-se a olhar para ela do alto, triunfando[...] Uma alegria extraordinária acendia-lhe o olhar. Vingava-se! Fazia-a chorar![...]” . (p. 269).
Dessa forma, pode-se afirmar que todos os meios utilizados pela personagem Juliana não podem ser considerados atos insanos, mas ferramentas para a resolução de conflitos como afirma Fanon (2004 p.69): “o homem colonizado liberta-se em e pela violência”.
Prosperava, com efeito! Não punha na cama senão lençóis de linho. Reclamara colchões novos, um tapete para os pés da cama, felpudo! Os sachets que perfumavam a roupa de Luísa iam passando para a dobra das suas calcinhas. Tinha cortinas de cassa na janela, apanhadas com velhas fitas de seda azul; e sobre a cômoda dois vasos da Vista Alegre Dourados! Enfim um dia santo, em lugar de cuia de retrós, apareceu com um chignon de cabelos! (p. 308).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Primo Basílio é o romance de maior êxito de Eça de Queirós.
Em parte, o sucesso é devido ao naturalismo de suas cenas eróticas. No entanto, três outros grandes méritos devem ser atribuídos ao romance: primeiro, a visão crítica da pequena burguesia lisboeta, cujo alvo é a família, produto de namoros insólitos e da educação romântica da mulher, entregue a sonhos idealizados e ao ócio. O segundo mérito do livro está na montagem do enredo, construído a partir de uma lógica bem norteada que contribui para a criação de uma atmosfera tensa.
O mérito principal, no entanto, é a perfeita elaboração de personagens secundários, entre os quais se destaca Juliana, personagem de padrões naturalistas, construída para provar que os fins justificam os meios. O enredo não vai além de um caso banal de adultério (Luísa e Basílio), que atinge proporções mais amplas quando ameaçado pela chantagem da criada Juliana, o caráter mais completo e verdadeiro do livro.
Nesse sentido, convém fazer alusão a Massuad Moisés quando ele afirma: “Embora personagem secundária, Juliana concentra em si a causa dramática do conflito central dO Primo Basílio, e acaba encarnando uma das mais vivas e expressivas criações de Eça de Queirós( MOISÉS, 2004, p. 357).
Perceber-se, então, no romance um caráter sociológico, pois além de apresentar diferentes estratos sociais, Eça mostra ainda o conflito entre classes, ou seja, os meios que o oprimido é capaz de usar para livrar-se da opressão.
Assim, convém afirmar que O primo Basílio é uma crítica profunda aos padrões burgueses. Além de tentar demonstrar, a todo o momento, as características maléficas dessa classe, sobretudo a lisboeta.
Nesse sentido, vale ressaltar que Eça de Queirós é apontado como o autor que apresenta como principal forma de expressão o romance social, psicológico e de tese. O romance de Eça tornar-se meio de crítica às instituições, à hipocrisia burguesa, à vida urbana, à religião e à sociedade, interessando-se pela análise social, pela representação da realidade circundante, do sofrimento, da corrupção e do vício.
REFERÊNCIAS:
CABAÇO, José Luís e CHAVES, Rita. Frantz
Fanon - Colonialismo, violência e identidade cultural. In: ABDALA, Júnior. Margens da Cultura:
mestiçagem, hibridismo & outras misturas. São Paulo: Boitempo, 2004. 67-85.
DIAS, Reinaldo. Fundamentos de Sociologia Geral. 2ª ed.
ampliada e atualizada. São Paulo: Alínea, 2000.
ELIA, Silvio. Língua e Literatura. 4ª ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1991. p. 278-282.
FORACCHI, Marialice Mencarini & MARTINS,
José de Souza. Sociologia e
sociedade: Leituras de introdução à sociologia. 23ª tiragem. Rio de
Janeiro: LTC, 1994.
MEHRING, Franz. O Capital. In: BENJAMIN,
César (org). Marx e o
socialismo. 1ª ed. São Paulo: Expressão popular, 2003. p. 11-57.
MEKSENAS, Paulo. Aprendendo sociologia. A paixão de conhecer
a vida. 8ª ed. São Paulo: Loyola, 2001.
MOISÉS, Massuad. A Literatura Portuguesa. 10ª ed. Revista e
aumentada. São Paulo: Cultrix, 1972.
MOISÉS, Massuad. A Literatura Portuguesa através dos textos.
29ª ed. São Paulo: Cultrix, 2004.
QUINTANEIRO, Tânia (org). Um toque de clássicos. 2ª
ed. revista e ampliada. Belo Horizonte, UFMG, 2002.
[1]
Edição utilizada: QUEIRÓS, Eça. O
primo Basílio. Rio de Janeiro: Klick – especial para o jornal O
Globo, 1997.
Este material utiliza
comentários sobre um periódico de 1871 ( As Farpas ) e a questão feminina
presente na obra O PRIMO BASÍLIO. Bom Proveito neste estudo.
Prof. Gil Mattos
---------------------------------------------------------
O periódico
revolucionário As Farpas, editado por Eça de Queirós e Ramalho Urtigão
no ano de 1871, como se sabe, surge da necessidade de questionar os costumes
da sociedade
portuguesa do final do século XIX. É com um tom bastante irônico que o jornal
tentará “acordar o país do torpor e da sonolência em que vegetava”; sacudi-lo e
obrigá-lo a caminhar
com o século”, conforme lembra Augusto Pissarra (1979, p.VI).
Assim, não é de se
estranhar que os temas abordados no panfleto serão os mais diversos: família,
arte, política, economia, moral, costumes, entre outros.
Diante da diversidade
de assuntos, é interessante observar o texto publicado em Uma campanha
alegre: As Farpas em março de 18722, que será enfocado neste artigo,
em que Eça tece
considerações em relação à figura feminina, principalmente a mulher lisboeta
desse período. Os comentários destinados à mulher são os mais diversos (desde
moda à educação feminina). Assim, as colocações feitas pelo autor português
sobre essa questão surpreendem tanto pelo grande teor irônico de suas
observações como pelo diálogo que esses comentários estabelecem com o “retrato”
feminino presente em sua
obra O primo
Basílio.
Nesse sentido,
torna-se mais fácil compreender as personagens Luísa, Leopoldina, Juliana e D.
Felicidade de O primo Basílio, uma vez que elas refletem o
entendimento de Eça
de Queirós, elucidado também nos artigos publicados em As Farpas, a
respeito da figura feminina pertencente à sociedade daquela época.
Não resta dúvida de
que o autor consegue nessa obra “reproduzir” essa mulher lisboeta do século
XIX, embora sob uma concepção masculina que, sem dúvida, deixa
as suas impressões
negativas em relação ao universo feminino.
De acordo com Eça de
Queirós no texto de março de 1872, mencionado anteriormente, a mulher seria
responsável pelo destino dos homens, ou seja, da humanidade: “a valia de
uma geração depende da educação que recebeu das mães”
(QUEIRÓS, 1979, v.3,
p.1200). A mãe é quem irá transmitir aos seus filhos os valores morais, desta
forma, uma mulher sem princípios jamais poderia passar aos seus filhos
algo que não possui,
não poderia, portanto, educá-los.
Diante desse quadro,
o autor confessa estar preocupado com os possíveis filhos das mulheres
portuguesas de sua época, pois estas não estariam capacitadas para ser
mães, o que teria
como conseqüência uma geração de filhos “mal educados”, homens e mulheres sem
preparo, formando uma sociedade incapacitada e sem valores.
Essa idéia que
atribui à mulher a tarefa de ser responsável pelo futuro da nação está atrelada
à concepção masculina que tenta confiná-la ao espaço doméstico.
Em outras palavras,
trata-se de uma maneira de legitimar a ordem estabelecida pela organização
patriarcal, esse modelo único que nega a pluralidade representada pela voz
feminina.
Em As Farpas Eça
de Queirós, por exemplo, considera a palidez, a debilidade física que, segundo
ele, é tão presente nas mulheres de sua época, como uma
conseqüência da vida
ociosa que elas levavam, propiciando, portanto, uma série de enfermidades e
problemas de saúde. O que pode ser observado a seguir, por meio de
algumas considerações
feitas pelo escritor acerca dessa mulher portuguesa do século XIX:
Os seus dias são passados na preguiça
de um sofá, com janelas fechadas; -ou percorrendo num passinho derreado a Baixa
e sua poeira[...] Depois, não fazem exercício [...] Além disso, o hábito do
sofá, do recosto e da almofada- acostuma às posições lânguidas; cabeçaerrante,
braços amolecidos, corpo abandonado [...] Outra causa da doença é a toilette. Com estes penteados
enormes, eriçados, insólitos, em forma de capacete, de fronha [...] Ouve-se
dizer quase sempre às mulheres – “Sinto hoje um peso na cabeça!...” É o fardo!
É o crânio que, sem ar, amolentado, está adoecendo como um corpo que não se despe.
Lisboa é a cidade do universo onde as meninas mais se apertam e se
espartilham... (QUEIRÓS, 1979, p.1021-1022)
Além da forte ironia e do ácido
humor do fragmento acima, ainda é possível observar como essa mulher ociosa e
grande adepta da moda está presente em O primo Basílio. Essa
postura atribuída como tipicamente “feminina” pode ser notada, por exemplo,
quando o narrador desse romance descreve uma visita de Leopoldina à casa de Luísa:
Leopoldina tinha
então vinte e sete anos. Não era alta, mas passava por ser a mulher mais
bem-feita de Lisboa. Usava sempre os vestidos muito colados, com uma justeza que
acusa, modelava o corpo, como uma pelica, sem largueza de roda, apanhados atrás
[...] E Leopoldina,
sentada no sofá,
enrolando devagarinho a seda clara do guarda- sol,começou a queixar-se: tinha
estado adoentada, muito secada, com
tonturas. O calor
matava-a. E que tinha ela feito? Achava-a mais gorda. (IDEM, 1997, p.23-24)
Segundo trecho acima,
Leopoldina é considerada “a mulher mais bem-feita de Lisboa”, pois ela segue os
padrões da moda da sociedade em que está inserida e esta,
por sua vez, a
considera a mais formosa. Luísa também se mostra uma “consumidora” assídua e se
pode dizer que o termo toilette acaba tornando uma marca registrada
dessa
personagem; o
narrador enfatiza constantemente esse vocábulo que, na maioria das vezes,
aparece relacionado a ela.
Já D. Felicidade não
podia usufruir com tanta freqüência “dos objetos da moda” devido a sua idade e
a sua saúde.
“Tinha cinqüenta
anos, era muito nutrida, e, como
sofria de dispepsia e
de gases, àquela hora não se podia espartilhar e suas formas transbordavam.” (IBIDEM, p.36)
Juliana, apesar das suas poucas condições financeiras,
pois não pertencia à mesma classe social que as outras, sempre almejou e sonhou
usar as mesmas roupas e adereços de sua patroa Luísa, o que só consegue através
de suas chantagens:
Às vezes só no seu
quarto, punha-se a olhar em redor com um riso de avaro; desdobrava, batia os
vestidos de seda; punha as botinas em fileira, contemplando-as de longe,
extática; e debruçada sobre as gavetas abertas da cômoda contava, recontava a
roupa- branca,acariciando-se com o olhar de posse satisfeita. Como o da “Piorrinha”!
(QUEIRÓS, 1997, p.311)
Percebe-se, portanto,
que essas personagens femininas preocupam-se em seguir os padrões impostos pela
sociedade. Elas têm em comum a ociosidade e a debilidade
física (todas possuem
problemas de saúde): “[...] a sua preguiça é um dos seus males
[...] vai-se pentear,
corre o Diário de notícias, cantarola um pouco pela casa [...] come um
bocadinho [...] derreada com sua ociosidade...” (QUEIRÓS, 1979, v.3, p.1204).
Tal
afirmação também pode
ser evidenciada nos seguintes trechos de O primo Basílio, quando o
narrador, ao se referir à Luísa, afirma:
“Ficara sentada à mesa a ler o ‘Diário
de Notícias’, no seu
roupão de manhã de fazenda preta, bordado a soutache [...] Mas estava tão farta de estar só! Aborrecia-se
tanto! De manhã ainda tinha os arranjos, a costura, a ‘toilette’, algum
romance... Mas de tarde!” (IDEM, 1997, passim).
Essas características
atreladas às personagens femininas são compatíveis com as idéias que Eça
defende em seu artigo. Elas representam e exemplificam a imagem de
mulher que o autor
retrata em As Farpas.
Os valores morais e
princípios dessas mulheres também são bastante ressaltados pelo escritor, tanto
em O primo Basílio quanto no mencionado artigo: “Depois da
anemia do corpo, o
que nas nossas raparigas mais impressiona é a fraqueza moral que revelam os
modos e os hábitos.” (IDEM, 1979).
Fraqueza moral que é
corroborada pela imagem estereotipada das personagens femininas de O primo
Basílio: Luísa – adúltera; Juliana – chantagista, ambiciosa;
Leopoldina – adúltera,
pervertida; D. Felicidade vive à procura de um casamento à beira dos 50 anos.
Esta última, inclusive, em relação as outras, é a menos salientada por Eça quanto
a sua “imoralidade”. Nota-se que as mulheres que fogem “do procedimento correto”,
da moral e dos bons costumes são “punidas’. Luísa e Juliana morrem e Leopoldina é constantemente hostilizada por
todos. “Em Eça [...] há um apelo permanente à norma, e os que dela se afastam
estão condenados”. (CANDIDO, 1978).
Em O Primo Basílio
essa “condenação” limita-se às mulheres. Ainda no texto de março de 1872 de
Uma campanha alegre: As Farpas, o
escritor português
comenta:
Outro mal seu é o
medo, um medo de tudo [...], dos castigos de Deus [...] É necessário que tudo
em roda na vida seja muito fácil, muito claro, muito pronto; [...] daqui vem a
sua falta de acção, a sua infeliz
<>.
Uma menina portuguesa, não tem iniciativa, nem vontade. Precisa ser mandada e
governada. Perante um perigo, uma crise de família, uma situação difícil,
rezam! (QUEIRÓS, 1979)
Pode-se remeter tal
citação às próprias atitudes e o caráter de Luísa. Quando Jorge pede a
Sebastião que cuide dela, fica clara essa relação de passividade e
dependência:
“Por isso, Sebastião, enquanto eu estiver
fora, se te constar que a Leopoldina vem pra cá, avisa a Luísa! Porque ela é
assim, esquece-se, não reflexiona.”
(QUEIRÓS, 1997,
p.50).
Essa afirmação de
Jorge coloca Luísa como um ser que não pensa, completamente “inoperante”, que
não possui preparo para enfrentar problemas e decepções e quando os têm
apega-se à religião como refúgio:
“Luísa, só consigo, tinha outras resoluções.
Não tornaria a ver Leopoldina, e freqüentaria as igrejas. Saía da doença com
uma vaga sentimentalidade devota. [...] E depois sentia-se tão infeliz que se lembrou
de Deus!” (IBIDEM, passim).
O predomínio do ponto
de vista masculino em O Primo Basílio, bem como do discurso patriarcal, é
evidente pelo modo pelo qual o narrador conduz o relato. “O foco
narrativo nunca se
fixa na consciência de nenhuma mulher, sempre as conhecemos através de seu
discurso ou do seu agir, de outras personagens ou do olhar onisciente do
narrador” (BERRINI,
1984).
As personagens
femininas d’O Primo Basílio são personagens “tipos”, uma vez que retratam um
determinado grupo da sociedade lisboeta (Mulher portuguesa do século
XIX). Assim, não é
possível exigir delas uma complexidade psicológica, pois suas atitudes e ações
são previsíveis, torna-se importante olhar para elas sob uma visão
sociológica e não
psicológica. “Eça não poderia, como escritor realista, deixar de criar tipos de
mulheres transviadas [...]” (WERNECK,1946, p.259-260). Por outro lado, não se
pode negar os princípios do patriarcado presente no discurso do escritor
português. É
diante da
representação de imagens femininas como as apresentadas por Eça que se tenta
legitimar a idéia da mulher como a parte negativa e o homem como a parte
positiva do gênero
humano. Essa oposição, conforme apontou a crítica feminista
francesa Hélène
Cixous (1995), corresponderia a passividade feminina e atividade masculina.
Para ela, é a partir dessa posição dual que submete a mulher à inferioridade que
o poder masculino sustenta a sua supremacia.
Segundo o autor de Os
Maias, essa mulher portuguesa do século XIX é fruto de uma má educação (familiar
e intelectual), proveniente de uma sociedade que forma
mulheres alienadas
que, influenciadas pelos padrões e valores burgueses, se deixam corromper
facilmente pelo meio social. O autor a coloca como um ser inferior, fraco,
muito suscetível à
alienação e vulnerável ao meio: “[...] a mulher na presença do mundo tentador –
está hoje desarmada [...] A família, com sua dignidade, enfraqueceu; a religião
tornou-se um hábito incompreendido; a moral está transformando [...] em que se apoiará
a mulher?” (QUEIRÓS, 1979, p.1213).
Além disso, Eça
atribui à mulher menos capacidade intelectual que ao homem, conforme se observa
nos trechos a seguir:
[...] – porque a
mulher, pela simples constituição do seu cérebro, é adversa ao estudo e à
ciência: nem a satisfação de cumprir o dever - porque a compreensão abstracta do
dever não tem pressa sobre o espírito feminino... Entre nós nenhuma senhora se
dá às sérias leituras de ciência. Não da profunda ciência (o seu cérebro não
suportaria) [...] – preferem o drama e o romance ... (IBIDEM, p.1211)
Essa diferenciação
entre os sexos também é notada em O primo Basílio.
Evidencia-se com
nitidez a desigualdade entre o homem e a mulher nessa obra: Basílio “sai
impune” do adultério, o mesmo não ocorre com Luísa. Além disso, a própria visão
dessa personagem
masculina revela o seu machismo, pois trata Luísa como um objeto.
O feminino mais uma
vez aqui é colocado de maneira negativa, consolidando asoposições binárias
entre macho/fêmea, como esclarece Rosiska Darcy Oliveira em
Elogio da diferença: No imaginário
masculino, as mulheres, percebidas não só como diferentes, mas sobretudo, como
inferiores, ocupam paradoxalmente, o lugar de “metade perigosa da sociedade”.
[...] Em razão mesmo de
uma situação de
alteridade, a mulher é definida como perigosa e antagônica. Em virtude dessa
relação de oposição, é freqüentemente
associada às forças
da mudança que corroem a ordem social e a cultura estabelecida. (OLIVEIRA,
1999, p.30)
Diante das
observações tecidas até o momento, é perceptível o diálogo que se estabelece
entre os artigos de As Farpas e a obra O primo Basílio no que
concerne a
visão acerca das
mulheres lisboetas. Outro aspecto que se sobressai nesses textos, sem dúvida,
refere-se aos conceitos moralistas que, por sua vez, se fundamentam na
hegemonia masculina
do poder. Como lembra Francisco Werneck (1946, p.260): “As censuras às
personagens femininas são deveras excessivas [...]”.
Nesse sentido, esse
breve estudo procurou refletir sobre alguns valores defendidos por Eça de
Queirós sob a perspectiva da crítica feminista que visa a focalizar
o modo como as
mulheres são representadas de acordo com as normas sociais e culturais
predominantes. Torna-se fundamental, portanto, verificar como esses padrões
se perpetuam mesmo
depois de um século e como eles ainda refletem problemáticas do universo
contemporâneo.
Referências
bibliográficas:
BERRINI, Beatriz. Portugal
de Eça de Queiroz. Lisboa: Imprensa Nacional, 1984.
CANDIDO, Antonio.
Entre a cidade e o campo. In: CANDIDO, Antonio. Tese e
antítese. 3ed. São Paulo:
Nacional, 1978. p. 29-56.
CIXOUS, Hélène. La
risa de la Medusa: ensayos sobre la escritura. Prólogo y
traducción de Ana
Maria Moix; traducción revisada por Myriam Díaz-Diocaretz.
Barcelona: Anthropos,
1995.
OLIVEIRA, Rosiska
Darcy. Elogio da diferença: o feminino emergente. São Paulo:
Brasiliense, 1999.
PISSARRA, Augusto.
Introdução. In: QUEIRÓS, Eça. Obras de Eça de Queirós. São
Paulo: Brasiliense,
1961. v.3. p. V-X.
QUEIRÓS, Eça de. O
primo Basílio. São Paulo: Klick, 1997. 463p.
QUEIRÓS, Eça de.. As
Farpas. In: QUEIRÓS, Eça de.. Obras de Eça de Queirós.
Porto: Lello &
Irmão, 1979. v.3.
WERNECK, Francisco. As idéias de Eça
de Queirós. Rio de Janeiro: Agir, 1946. 396p.
RESUMO POR CAPÍTULOS
CAPÍTULO
I
Onze horas na sala de jantar, Jorge, engenheiro de
minas, fechou um volume de Luís
Figuier (escritor francês, popular por seus
livros de divulgação científica) , Luísa, sentada à
mesa, lia o Diário de notícias,
“no seu roupão de manhã de fazenda preta,
bordado a
soutache, com largos botões de madrepérola; o
cabelo louro um pouco desmanchado, com um tom seco do calor do travesseiro,
enrolava-se torcido no alto da cabeça pequenina, de perfil bonito; a sua pele
tinha a brancura tenra e Láctea das louras; com o cotovelo encostado à mesa
acariciava a orelha, e, no movimento lento e suave dos seus dedos, dois anéis
de rubis miudinhos davam cintilações escarlates.”
Tinham acabado de almoçar, Jorge enrolou um cigarro e
começou a pensar na viagem que faria. Era a primeira vez que se separaria de
Luísa. Jorge era robusto, de hábitos viris, tinha ombros fortes e gênio manso;
era um homem caseiro e nunca fora sentimental.
Após a morte da mãe, começou a se sentir só, conheceu
Luísa, apaixonou-se por seus
cabelos louros e casou-se. Segundo seu amigo íntimo,
Sebastião, ele havia se casado no ar. Estavam casados há três anos; Luísa
interrompe os devaneios do marido e lê alto que Basílio chegaria a Lisboa,
tinha ido ao Brasil fazer fortuna, ele era bem conhecido da sociedade.
Luísa deixa o seu descanso e vai verificar com Juliana,
a criada, se os coletes de Jorge estavam prontos para a viagem, não estavam.
Retorna ao quarto, Luísa e Jorge discutem por causa de Juliana, pois A jovem
não gosta da criada e o marido diz que tem uma dívida de gratidão, pois a
mesma, com dedicação, cuidou de sua tia Virgínia até à morte.
Enquanto Jorge termina de se arrumar para sair, Luísa,
emocionada, termina de ler A Dama das Camélias e pensa em seu antigo namorado,
Basílio, vaidoso e chique, que
terminara o namoro por causa da partida para o Brasil,
em busca de fortuna.
Lembra-se de que conhecera Jorge três anos depois e de
que se casara com ele não por
amor, mas por segurança. Era fiel e uma boa dona de
casa.
Juliana avisa-lhe que Leopoldina, conhecida em toda a
cidade como pão de queijo
(Portugal inteiro comia), chegara. Luísa assusta-se,
pois Jorge não gostava dela por causa dos inúmeros amantes e fumava. Apesar de
tudo ela admirava a antiga amiga, considerava-a uma infeliz no casamento e agia
como as heroínas românticas em busca de uma grande paixão. Conversaram bastante
tempo e Luísa se excitava com suas
histórias picantes. Jorge ao chegar, fica sabendo por
Juliana, que Leopoldina esteve ali,
irrita-se e repreende a esposa pela visita indesejável.
Luísa, cheia de cólera vai falar com
a criada fofoqueira que diz ter agido ingenuamente.
CAPÍTULO
II
Como de costume, o casal recebia um grupo de amigos
sempre aos domingos para uma
pequena reunião social, eram eles: Julião Zuzarte, parente muito distante de Jorge; era um homem seco e nervoso,
com lunetas azuis, os cabelos compridos caídos sobre a gola, cirurgião,
estudioso e inteligente. Aos trinta anos ainda era pobre e via os medíocres e superficiais,
subirem na vida e ele por ter um orgulho resistente e muita fé nas suas
faculdades, não conseguia prosperar na vida, sonhava com
um bom salário e com uma
vida luxuosa. Era irônico, despeitado, amargo e sentia
inveja de todos. Luísa não gostava
dele, mas tinha que fingir porque Jorge o admirava. Dona Felicidade de Noronha, 50 anos, tinha sido amiga da mãe de Luísa, era gorda,
sofria de dispepsia e gases, suas formas transbordavam. Sua cara era lisa,
redonda, cheia, de uma lavura baça e mole de freira; nos olhos papudos, com a
pele já engelhada em redor, luzia uma pupila negra e úmida, muito móbil; e os
cantos da boca uns pêlos de buço pareciam traços leves e
circunflexos de uma pena muito fina. Solteirona, era
apaixonada pelo Conselheiro Acácio
e sua careca. Assim que o via, punha-se a falar alto com
um sorriso parvo e a abanar-se
convulsivamente. E quando ela lhe fazia qualquer
demonstração sentimental, ele se
afastava todo pudico e severo. Ultimamente tinha
pesadelos lascivos. Conselheiro Acácio, alto, magro, todo vestido de preto, com o pescoço entalado
num colarinho direito.
O rosto aguçado no queixo ia se alargando até à calva
vasta e polida, tingia os cabelos
que de uma orelha a outra lhe faziam colar por trás da
nuca., mas não tingia o bigode, farto, grisalho, caído aos cantos da boca. Era
muito pálido; nunca tirava as lunetos escuras. Tinha uma covinha no queixo e as
orelhas grandes muito despegadas do crânio. Fora diretor-geral do ministério do
reino e sempre que dizia – El-Rei! – erguia-se um
pouco da cadeira. Os seus gestos eram medidos, mesmo a
tomar rapé. Nunca usava palavras triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto
indicativo e empregava restituir. Dizia sempre “o nosso Garret”, “o nosso
Herculano”. Era autor. Ernestinho
Ledesma, primo de Jorge, pequenino,
linfático, membros franzinos, ainda quase tenros ; davam-lhe um aspecto débil
de colegial; o buço, delgado, empastado em cera-mostache arrebitava-se aos
cantos em pontas afiadas como agulhas; e na sua cara chupada, os olhos
repolhudos amorteciam-se com um quebrado langoroso. Trazia sapatos de verniz
com grandes laços de fita; sobre o colete branco, a cadeia do relógio
sustentava um medalhão enorme, de ouro... Vivia com uma atrizita do ginásio,
uma magra, cor de melão, com o cabelo muito
riçado, o ar tísico, - e escrevia para o teatro.
Ultimamente trazia um drama em cinco atos:
Honra e paixão, era a sua estréia séria. Era funcionário da alfândega e
escrevia por amor
à arte. Ao chegar, queixou-se com os amigos, pois na
véspera, tivera que refazer todo o final de um ato, só por causa do local da
cena; Ernestinho queria num abismo e o produtor, numa sala. O Conselheiro quis
conhecer o lance, Ernestinho, esboucou o
enredo: Uma mulher casada havia se encontrado em Sintra,
um homem fatal, o Conde de
Monte-Redondo. O marido, arruinado, devia cem contos de
réis ao jogo. Estava desonrado e ia ser preso. A mulher, louca, deixa cair o
véu e o conde paga a dívida. O Conde e a mulher amam-se, o marido descobre e
joga todo o dinheiro aos pés do conde e mata a esposa atirando-a no abismo. O
conde ao saber da morte da amada, atira-se no
abismo também e o marido traído cruza os braços e dá uma
gargalhada infernal. O problema era que o empresário queria a cena em uma sala
e com outro final, o marido perdoava à esposa, pois o público não era afeto às
cenas de sangue.
Todos gostaram do novo final, menos Jorge, exigindo que
Ernestinho a matasse.
Exaltado, falava: “Se enganou o marido, sou pela morte.”
Conselheiro Acácio interveio, achando a atitude de Jorge
anticivilizadora, mas Jorge não
mudou de opinião. Enquanto os amigos o chamavam de tigre, Otelo e Barba-Azul, ele ria.
Sebastião, amigo
íntimo de Jorge, inseparáveis desde a infância, chega. Era um homem
baixo e grosso, todo vestido de preto, com um chapéu
mole na mão. Começaca a perder
um pouco na frente os seus cabelos castanhos e finos.
Seu rosto tinha uma expressão
honesta, simples, aberta: os olhos pequenos, azuis de um
azul-claro, de uma suavidade
séria, os beiços escarlates, sem películas secas, os
dentes luzidios, revelavam uma vida
saudável. Jorge chama o amigo ao escritório e
contrariado, fala da visita de Leopoldina,
temia pela má vizinhança na rua estreita em que moravam;
aproveita e pede ao amigo,
que durante a sua ausência, faça visitas à Luísa, pois
era necessário alguém adverti-la
sobre o que não devia fazer
CAPITULO III
Já fazia doze dias que Jorge havia partido e Luísa,
enfastiada de ficar só, preparava-se para ir à casa de Leopoldina, Juliana abre
a porta e pede-lhe permissão para ir ao médico, havia passado a noite em claro,
estava ainda mais amarela e o olhar muito pisado. Luísa deu-lhe permissão,
desde que antes de ir ela arranjasse tudo e não se demorasse.
Antes de sair, Juliana avisa Joana,
a cozinheira, amante de Pedro, um carpinteiro vizinho.
Como não podia sair para encontrá-lo, vivia olhando para
o local onde ele trabalhava e
quando tinha oportunidade, metia-o em casa pela porta de
trás.
“Era
uma rapariga muito forte, com peitos de ama, o cabelo como azeviche, todo
lustroso do óleo de amêndoas doces. Tinha a testa curta de plebéia teimosa. E
as sobrancelhas cerradas faziam-lhe parecer o olhar mais negro.”
Sendo solteirona, Juliana, detestava aquele escândalo do
carpinteiro e da cozinheira, mas protegia-o e elogiava a cozinheira, pois
valiam caldinhos ou bifes que Joana davalhe às escondidas da senhora . Juliana
estava revoltada por estar doente e ser tratada pela patroa como se fosse um
cão, furiosa com Luísa, por não Ter dado importância às suas dores, varre a
escada violentamente, quando é surpreendida pela chegada de um rapaz que parecia
estrangeiro, era trigueiro, alto, tinha um bigode levantado, um ramo na
sobrecasaca azul, e o verniz dos seus sapatos resplandecia.
Juliana avisa a patroa sobre a visita e quando esta lhe
questiona sobre a espécie de homem, a criada responde que o homem era um
janota. Luísa, toda escarlate, recebe a visita do primo Basílio. Após um shake-hands demorado, ele elogia a beleza da antiga namorada e conta sobre
suas viagens.
Luísa olhava Basílio. Achava-o
mais varonil, mais trigueiro. No cabelo preto anelado havia alguns fios
brancos; mas o bigode pequeno tinha o antigo ar moço, orgulhoso e intrépido; os
olhos, quando ria, a mesma doçura amolecida, banhada num fluido. Reparou na
ferradura de pérola da sua gravata de cetim preto, nas pequeninas estrelas brancas
bordadas nas suas meias de seda...Voltara mais
interessante. Basílio trouxe-lhe presentes, voltaria com eles no dia seguinte:
um rosário, uma relíquia
benta pelo primeiro patriarca de Jerusalém sobre o
túmulo de Cristo e um par de luvas de
verão com oito botões, ele aproveita para criticar as de
Portugal que só tinham dois.
Luísa passou o resto da tarde e da noite pensando em
Basílio, às vezes seus pensamentos eram interrompidos pela lembrança de Jorge.
Juliana entra para acender as luzes e Luísa diz-lhe que
ela se parecia com a morte. A criada se ofende e já no seu quarto abafado,
escuro, repleto de percevejos e insetos. Sem a cuia e com um lenço preto e
amarelo amarrado na cabeça, seu rosto parecia mais chupado, e as orelhas mais
despegadas do crânio; a camisa decotada descobria as clavículas descarnadas; a
saia curta mostrava as canelas muito brancas, muito secas.
Pensa em sua vida:
“nascera em Lisboa, seu nome era Juliana Couceiro
Tavira. Sua mãe fora engomadeira; e desde pequena tinha conhecido em casa um
sujeito a quem chamavam na vizinhança – o fidalgo, a quem sua mãe chamava – o
senhor D. Augusto. Vinha todos os dias, de tarde no verão, no inverno de
manhã... À noite o senhor D.
Augusto voltava; trazia sempre um jornal; sua
mãe fazia-lhe chá e torradas, servia-o, toda
enlevada nele. Muitas vezes Juliana a vira
chorar de ciúmes. Juliana foi servir e alguns meses depois, sua mãe morreu e
desde então ela só viu o senhor D. Augusto uma vez. Servia havia vinte anos.
Mudava de amos, mas não de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos, a levantar-se
de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer repelões das
crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital
quando vinha a doença, a esfalfar-se quando vinha a saúde!...Era demais! Tinha agora
dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava
o estômago. Nunca se acostumara a servir. Desde rapariga a sua ambição fora ter
um negociozito, uma tabacamas, uma loja decapelista ou de quinquilharias, dispor,
governar, ser patroa; mas apesar de economias mesquinhas e de cálculos
sôfregos, o mais que conseguira juntar foram sete moedas ao fim de anos; tinha
então
adoecido; com o horror do hospital fora
tratar-se para a casa de uma parenta; e o dinheiro, ai! Derretera-se! No dia em
que trocou a última libra, chorou horas com a cabeça debaixo da roupa.
Ficou sempre adoentada desde então. Terias de
servir até ser velha, sempre de amo em amo!
Começou a azedar-se. Graças as antipatias que a cercavam
nas casas, ela tornou-se má, beliscava as crianças, saía com escândalos,
deixava todas as amas pálidas e nervosas.
Tia Vitória, uma inculcadeira , amiga
sua, dava-lhe conselhos para mudar de comportamento, pois ficaria sem emprego.
Juliana era fina, então, passou a se fazer de pobre mulher , cultivar um ódio
azedo e a ficar feliz com a infelicidade das patroas. A necessidade de se
constranger trouxe-lhe o hábito de odiar; odiou sobretudo as patroas,
com um ódio irracional e pueril. Todos os lutos a deleitavam.
Sempre fora invejosa; com a idade o sentimento exagerou-se de um modo áspero.
Era
também muito curiosa, cheirava e revirava qualquer carta
que chegava, remexia nas
gavetas sutilmente. Era gulosa e adorava vinhos.
Nunca tivera um homem, era virgem. Sempre foi feia e o
único homem que a olhara com
desejo tinha sido um empregado da cavalariça, atarracado
e imundo.. E o primeiro
homem por quem ela se interessou foi um criado bonito e
alourado, mas este rira-se dela
e a chamara de isca-seca .
Sua grande esperança de mudar de vida foi trabalhar para
a sra. D. Virgínia Lemos, uma
viúva rica, tia de Jorge, muito doente, quase a morrer
com catarro na bexiga. Virgínia era
muito rabugenta, mas na esperança de receber algum
dinheiro como herança, fez com
que Juliana a enchesse de mimos, mas a velha morre e
sequer a cita no testamento.
Juliana adoece e Jorge, em consideração, pagou-lhe um
quarto no hospital, assim que
saiu, passou a servir na casa de Jorge.
CAPÍTULO
IV
Juliana descansa após arrumar a sala que com a visita de
Basílio, estava um chiqueiro.
Já na cozinha tomando caldo, Juliana escuta a campainha
tocar várias vezes, mas não se
move, Luísa grita para que atenda e Juliana desce
furiosa. Era Basílio com um embrulho
debaixo do braço. Chega Sebastião, mas quando Juliana
avisa que sua senhora está com
a visita de um janota, ele se recusa a entrar e vai-se
embora. No domingo, Luísa dá um bilhete lacrado pra Juliana levar à D.
Felicidade.
Durante todo o dia, Luísa não saiu do quarto, mas à
noite, Juliana se surpreende ao ver a
patroa com um vestido preto, ia sair com dona
Felicidade. No passeio público, encontramse
com Basílio. D. Felicidade diz a Basílio que gostava de
teatro e ele diz que em
Portugal representavam muito mal.
Os três trocam idéias sobre leituras, Luísa tinha se
aborrecido muito passando o dia todo
a ler, já Basílio lera um romance picante, A mulher de fogo, e Dona Felicidade, ao O
rocambole, descobriu que a leitura lhe aumentava a indigestão. A solteirona
logo lhe falou
das suas dispepsias e Basílio achou muito chic,
chegam a trocar receitas, fazendo a
velha senhora achá-lo muito simpático.
Logo de manhã, Luísa recebe flores de Sebastião, mais
tarde chega Basílio e em seguida, Julião. Luísa envergonha-se do colarinho
enxovalhado e com o velho casaco mal feito de médico, preocupa-se com a idéia
que Basílio faria das relações, dos amigos da casa, sentia seu chic diminuindo.
Basílio, recostado no sofá, como um parente íntimo,
cofiava indolentemente o bigode,
arrebitando o dedo mínimo, onde brilhavam, dois grossos
anéis de ouro, uma safira e um
rubi. A afetação dos gestos e o reluzir das jóias
irritavam Julião. Basílio e Luísa começam a conversar sobre os parentes e
fidalgos, coisas desconhecidas de Julião, que sentindo-se ignorado, acaba indo
embora. Assim que o médico sai, Basílio o chama de pulha, e que mesmo sendo
pobre deveria ter meios de escovar o casaco e
limpar a caspa, recebê-lo em casa era uma vergonha,
falou ainda que ela não tinha sido
educada para ter gente desse gênero em casa.
A campainha soa novamente e Luísa se assusta, temendo
que fosse Sebastião, pois Basílio o acharia mais reles. Para seu alívio, era o
Conselheiro Acácio. Os três conversam e depois cantam. Mais tarde, Basílio e
Luísa estão sozinhos e ele resolve investir de uma maneira mais agressiva, toma
a mão de Luísa e beija. Fica de voltar no dia seguinte.
Sebastião é questionado pela vizinhança sobre a
freqüente figura na casa de Luísa, fato
que o preocupa, mais preocupado ainda, fica quando
descobre que a visita era Basílio, primo de Luísa. Não o conhecia pessoalmente,
mas conhecia a sua fama boêmia e que havia ido para o Brasil, fugindo de
credores. Sebastião era só e tinha uma pequena fortuna; vivia com duas criadas
muito antigas: Vicência, a cozinheira e tia Joana, a governanta, era baixinha e
gorda, com um sorriso muito bondoso, servia-o há trinta e cinco anos. Tinha os
cabelos brancos presos no alto com um pente de tartaruga; trazia um lenço
sempre muito branco sobre o peito. Todo o dia passarinhava pela casa, com o seu
passinho arrastado, fazendo tilintar os molhos de
chave, resmungando provérbios, tomando rapé de uma caixa
redonda. A casa
assemelhava-se ao seu dono, Sebastião.
Ele tinha um gênio
antiquado. Era solitário e acanhado. No
colégio, chamavam-no peludo, punham-lhe rabos, roubavam-lhe as merendas. Apesar
de ter a força de um ginasta, oferecia a resignação de um mártir.
Mesmo sendo inteligente, a sua timidez fazia-o
reprovar nos exames. Sua inclinação mesmo era pela música.
Jorge e Sebastião eram amigos desde a infância; Jorge
era sempre o dominante e Sebastião, o dominado. Quando a mãe de Jorge morreu,
pensaram em morar juntos, mas Jorge conheceu Luísa e a
sociedade Sebastião e Jorge
foi por água abaixo. Mesmo sofrendo, era Sebastião quem
tirava os espinhos das rosas que Jorge levava à Luísa. Fora ele também que
cuidou de todos os arranjos do casamento e da casa. Depois do casamento,
Sebastião sentia-se muito só. –
Tia Joana é uma espécie de antítese de
Juliana. Percebe-se que os únicos personagens que o autor poupa são Tia Joana,
descrita com ternura e Sebastião como um homem tímido e com boa conduta moral.
Luísa recebe uma carta queixosa do marido, sua
consciência pesa ao pensar nos beijos de Basílio. Resolve não receber Basílio,
pensa em escrever-lhe para não vir mais, mas por outro lado, como estivesse só,
nada teria a perder. Juliana ouve os suspiros de Luísa e percebe que algo havia
entre os primos havia acontecido.
Sebastião, preocupado, vê Basílio entrar na casa de
Jorge. Luísa recebe-o de roupão, após sentar-se aos seus pés e chupar-lhe o
dedo mínimo, Basílio a convida para um
passeio no campo, mas no dia seguinte quando ele vai
visitá-la, que passeio que nada,
sequer toca no assunto do passeio, do seu amor ou
desejo. Habilmente começa a tagarelar todo contente e de todas as mulheres que
falava, dizia: “era uma mulher distintíssima;
tinha, naturalmente, o seu amante...”.
O adultério, pelo visto, era um dever
aristocrático e a virtude, o defeito de um espírito
pequeno. Antes de sair, disse todo cheio
de lamúrias que iria partir, nada tinha a fazer ali e
após dizer um “adeus, meu amor...,
saiu. Luísa, à tarde, tinha os olhos inchados e
vermelhos de tanto chorar.
O plano de Basílio surtira efeito. No dia seguinte, fora
ela quem tocara no assunto do
passeio no campo , aceitaria ir, desde que fosse num
coupé fechado, e no calor que fazia,
era “abafar-se
numa boceta”, disse Basílio.
Grande parte da vizinhança já comentava sobre o janota
que visitava Luísa todos os dias.
Sebastião, todo preocupado vai à procura de Julião,
encontram-se na confeitaria. O
médico diz que Basílio é um asno e que se atirava sobre
Luísa. Sebastião fica escandalizado e Julião culpa Luísa, se ela recebe o primo
em casa, é porque ele a agrada.
CAPÍTULO
V
Certo dia de muito calor, Juliana, após um acesso de
cólera, passou mal. Motivo: Luísa deu-lhe um cesto de colarinhos, chamou-a de
porcaria de engomadeira e estavam pouco engomados. Assim que melhorou, saiu
para ir ao médico e no caminho é questionada pela vizinhança sobre a figura do
janota, fato que alimentou a sua desconfiança.
Finalmente Luísa aceitou o convite do primo para um
passeio no campo. No caminho,
dentro do coupé, Basílio prendeu-lhe o pulso e deu-lhes
muitos beijos longos na pele fina, azulada de
veiazinhas . Basílio agarra-a com sofreguidão
e a enche de beijos no pescoço, face, chapéu. Luísa resiste e
Basílio pede-lhe perdão. Ele tenta seduzi-la, mas ela resiste.
Na segunda tentativa, convida-a para fugir e a enche de
beijos e abraços. Após um soluço ela murmura um doloroso: “- Não diga tolices.” Antes de descer do coupé, ela pede-lhe que não falte no
dia seguinte. Basílio parte rumo ao Grêmio, sentindo-se
vitorioso
Lá, encontra-se com um amigo, Visconde Reinaldo, ambos
tinham vindo de Paris. Basílio
fala-lhe sobre a prima e que a vitória da conquista
estava perto. Reinaldo achava a temperatura de Lisboa reles, trazia lunetas
defumadas e andava saturado de perfumes por causa do cheiro”ignóbil de Portugal.” Assim que viu Basílio deixou escorregar o Times e com os
braços moles e voz desfalecida diz a Basílio que queria ir para o Norte.
Assim que Luísa entra em casa, Sebastião a aguardava, ia
adverti-la sobre os comentários da vizinhança, mas ao ouvir o nome de Jorge,
Luísa alega enxaqueca e
Sebastião deixa a casa sem lhe tocar no assunto.
Luísa, após receber um ramo de rosas de Sebastião,
aguarda ansiosamente a visita de
Basílio. Estava atrasado e ela, preocupada, vai ao
escritório de Jorge, agarra uma folha de papel e escreve-lhe:
“Querido Basílio.
Porque não vens? Estás doente? Se soubesse os
tormentos por que me fazes passar...
A campainha soou, ela amassou o bilhete e correu à
porta, achava que fosse Basílio, mas para sua decepção, era Sebastião. Ele lhe
fala dos comentários dos vizinhos sobre a visita do primo e Luísa se sente insultada
e defende-se. Porém, quando Sebastião menciona Julião, ela exaspera-se ainda
mais e com a voz estridente pergunta-lhe com que direito eles se metiam no que
passava na casa dela. Por fim, Luísa o agradece.
Sebastião estava assustado, nunca tinha visto Luísa
assim, com os olhos reluzindo febrilmente e a cada momento limpando os cantos
secos da boca.
Depois de toda a cena, Sebastião a aconselha a falar a
verdade a Basílio e antes de sair,
o amigo promete segredo.
A lembrança dos olhares de Basílio, as palavras
exaltadas fizeram-na corar, mas ao
reconhecer que seria sempre fiel a um único homem,
irritou-se.
Por fim, Leopoldina chegou. Após o jantar, ela fala à
Luísa que o banqueiro Castro era
apaixonado por ela. Beberam demais e Juliana escolta
Leopoldina até à casa.
A chegada de Basílio tira Luísa da solidão; assim que
ele entra, diz-lhe que estava de
partida. Ele envolve a prima com juras de amor, apertando-a contra-si. Ela fica imóvel à
beira do divã, quase a escorregar, os braços
frouxos, o olhar fixo, a face envelhecida, o
cabelo desmanchado. Luísa lembra-se de Sebastião e fala ao amante que era
tarde.
Após beijá-la muito, sai. Juliana chega e Joana comenta
que o primo chegou assim que ela saiu. A engomadeira vai à sala e encontra a
travessa de Luísa no chão, sinal, sem provas ainda, de que “algo mais abrasador
havia ocorrido”. Com a desculpa de fechar a sala, vai verificar se Luísa estava
com alguém.
No Grêmio, Basílio fala ao visconde Reinaldo que enfim
havia conseguido o que queria,
ela era um anjo...
CAPÍTULO
VI
Na manhã seguinte, Luísa recebe um bilhete de Basílio
marcando um encontro, lembra-se
que é saudável possuir um amante e se arruma com esmero.
Justifica seus pensamentos
com o fato de muitas mulheres famosas os terem também.
Juliana, nesse dia estava diferente, enquanto
trabalhava, cantarolava a Carta
adorada.
Com certeza, o bilhete que havia encontrado no bolso de
Luísa: “Por que não vens?... Se
soubesses o que me fazes sofrer..., valeria ouro.
Luísa saudava a manhã e agora concordava com Leopoldina,
realmente, uma
maldadezinha fazia a gente se sentir bonita. Sentia-se
importante, afinal, agora tinha um
amante.
Toda feliz resolve escrever a Basílio:
“Meu adorado Basílio.
Não imaginas como fiquei quando recebi a tua
carta, esta manhã, ao acordar. Cobri-a de beijos...
Que tristeza que fosse a carta e que não fosses
tu que ali estivesses!...não foi superior ao sentimento que me impelia para ti,
meu adorado Basílio. Era mais forte do que eu, meu Basílio...É superior a mim.
Sempre te amei, e agora que sou tua, que te pertenço de corpo e alma, parece-me
que te amo mais, se é possível...
Ao ouvir que alguém a procurava, assustou-se e achando
que fosse Jorge, amassou o
bilhete e jogou no lixo. Era D. Felicidade com tonturas,
enquanto isso Juliana arrumava a
sala e a costureira aguardava Luísa.
Após ouvir a solteirona lamentar o descaso que o
Conselheiro Acácio a tratava, corre ao
escritório, mas a lixeira estava vazia. Pergunta a
Juliana sobre os papéis que lá estavam,
mas a criada lhe responde que já estavam no barril de
lixo. Luísa corre pra verificar, mas
já estava vazio também, Joana tinha acabado de
esvaziá-lo.
Luísa lembra-se do bilhete que escrevera na véspera e
corre ao quarto pra verificar o bilhete que escrevera na véspera, tranqüila, vê
que o mesmo ainda estava la, todo amassado no bolso da algibeira.
D. Felicidade revela um segredo à Luísa, iria para a
terra de um galego onde havia uma
senhora que era excelente em deitar a sorte a um homem. –
Chega um outro bilhete de Basílio, dizendo Ter
encontrado um ninho de amor. D.
Felicidade a convida para irem à Consolação cuidarem de
um conhecido com furúnculo,
mas Luísa recusa e apronta-se para ir ao idílio.
Na rua, Luísa, toda de preto, acena para Julião e
Sebastião, que acha impossível ágüem
suspeitar da honra de alguém tão distinta quanto ela,
uma santinha.
Ela vai toda feliz, seria a primeira vez que se
encontraria com o amante no Paraíso, enfim
ela teria aquela aventura que lera tantas vezes nos
romances amorosos; experimentaria
sensações excepcionais, agora sim, tinha uma casinha
misteriosa, o segredo ilegítimo e
as palpitações de perigo. Enquanto percorre o caminho,
pensa em uma quinta com
arvoredos e relvas fofas onde passeariam de mãos dadas,
o som da água caindo, ou quem sabe era um terceiro andar
Lembra-se de um romance de Paulo Féval, em que o herói
forra de cetins e tapeçaria o interior de uma choça. Ela conhecia o gosto de
Basílio e o Paraíso
com certeza seria como no romance de Paulo Féval.
Imagina Basílio esperando-a
estendido num divã de seda e chega a recear que a sua
simplicidade burguesa, sem
experiência,não ache palavras finas ou carícias
exaltadas, Mas a realidade era outra, era
uma pocilga, uma casa amarelada. Um cheiro mole e
salobro fê-la ter enjôos. Basílio desce para recebê-la e reclama que a
aguardava desde a uma hora.
No quarto, Luísa vê uma cama de ferro com colcha feita
de remendos, os lençóis, nada
de cetim, mas grossos de um branco encardido e mal
lavado. Escarlate e calada sentou-se. Basílio percebe o desapontamento da
amante e justifica-se: era retirado e discreto, apesar de não muito luxuoso.
Luísa mordia os beiços, a batida na porta fê-la
assustar-se. Basílio abriu e uma voz
adocicada ciciou: sossegadinhos; suas chavezinhas.
Chovia, Luísa se entristecia e a cama era-lhe
repugnante.
Enfim, Luísa tira o chapéu, Basílio beija-lhe o pescoço
e ela sentindo um arrepio de frio
nos ombros nus, abandona-se entre os joelhos de Basílio.
Juliana, mesmo tendo trabalho dobrado, com as saídas
diária da patroa rumo ao Paraíso,
não reclamava mais, mas sim cantarolava. Na rua, a
vizinhança explode em comentários.
Sebastião ficou aterrado quando tia Joana lhe deu as
novidades: Luisinha saía todos os dias e o primo não ia mais à casa dela.
Sebastião recebe uma carta de Jorge perguntando de
Luísa, estava preocupado, ficou cinco dias sem receber carta dela e quando
recebeu eram apenas quatro linhas. Jorge pede ao amigo para ir fazer companhia
à sua esposa que se sentia muito só.
No dia seguinte, Sebastião vai verificar como ia a
esposa do amigo. Conversaram um
pouco sobre os amigos e quando Luísa lhe pergunta quando
Jorge voltava, Sebastião fica
aterrado.
Saindo de lá, Sebastião vai à casa de Julião que estava
a escrever uma tese, mas o
médico põe-se a discutir com um estudante. Este, tenta explicar
a criação usando a
emoção, a fé, a religião, Deus; já o médico, na sua
postura realista, usando a razão, atacava Deus com cólera, chamando-o de “uma hipótese safada”. Sem jeito para conversarem, Sebastião retira-se e pensa
em ir falar com D. Felicidade, mas ela estava
doente, havia torcido o pé.
Sebastião vai comprar uma cadeira pra D. Felicidade e
lá, o vendedor diz-lhe que Luísa ia todos os dias na Encarnação visitar uma
doente. Sebastião suspira aliviado; agora, todos os vizinhos vêem em Luisa, uma
santinha e agora, quando sai à rua, não há mais cochichos e todos a
cumprimentam.
No Paraíso, Basílio, demonstrava seu tédio, usava Luísa
como se a estivesse pagando e
demonstrava, às vezes, azedume para com ela.
Duas ou três vezes, quando Luísa voltava do Paraíso,
deparara-se com Juliana, que
também subia apressada, o moinho de vento. Agora,
Juliana acabava os afazeres pela manhã e assim que Luísa dobrava a esquina,
rumo ao Paraíso, a criada saía também, rumo à casa de uma amiga, tia Vitória o
que deixava a cozinheira radiante, pois assim o caminho estaria livre para ela
e o carpinteiro.
Tia Vitória, na época, era de grande utilidade, tanto
para os empregados reles quanto
para a criadagem fina, tinha despacho pra tudo.
Emprestava dinheiro aos desempregados, guardava as economias dos poupados,
escrevia, através do Sr. Gouveia, as cartas amorosas ou domésticas . Vendia
vestidos usados, alugava casacas
aconselhava, dirigia intrigas. Ultimamente, sempre que
Juliana chegava, trancavam-se no
escritório e depois Juliana saía vermelha, com os olhos
brilhando de alegria.
A casa com as três mulheres transmitia felicidade: Luísa
saía todos os dias, não ficava
mais nervosa e sua antipatia por Juliana havia
diminuído, achava-a uma pobre de Cristo.
Juliana por sua vez, tomava seus caldinhos, passeava e
Joana, muito livre e só, recebia o
seu amante.O conselheiro Acácio tinha ido viajar, Julião
ocupava-se com a tese. A barca,
segundo Juliana ia num mar de rosas, mas era ela quem ia
no leme.
CAPÍTULO
VII
Um dia, quando Luísa estava a caminho do Paraíso,
encontra-se com Ernestinho, que
feliz diz-lhe que a peça estava quase pronta e havia
mudado o final, o marido perdoava à
esposa adúltera e o casal se mudava para o estrangeiro.
No Paraíso, Luísa comenta com o amante que estavam se
vendo demais, era uma
imprudência, para sua decepção, ele simplesmente encolhe
os ombros e fala que se ela
não quisesse mais vir, tudo bem. Quando ela ia pôr o
chapéu pra sair, ele a deteve e a
cobre de beijos.
Em casa Luísa reconhece que Basílio a amava menos,
agora,depois do último beijo,
acendia o charuto como se tivesse terminado um janta re
corria ao espelho pentear-se.
Não a respeitava, tratava-a como a uma burguesinha sem
educação; já Jorge, amava-a
com respeito.
A mudança de Basílio faz o casal discutir. Luísa deixa o
Paraíso e entra em casa,
humilhada e exasperada. Joana havia saído e Luísa vai
para o quarto.
No dia seguinte, começa a achar o Paraíso longe, estava
calor e ela tem preguiça de se
vestir. Recebe uma carta de Jorge, lastimando-se de
saudades. Assim que ela acaba de
responder a carta do marido, Juliana lhe entrega uma
carta de Basílio, que desesperado
pedia-lhe perdão e afirmava que a adorava.
Luísa hesita, não sabe que fazer e no dia seguinte, a
dúvida persiste, não sabia se ia ou
não. Mas acaba indo. Já no Paraíso Basílio a enraivece
com seu modo de tratá-la,
discutem e ela rompe tudo, ele se atira aos pés dela com
os olhos úmidos e reatam o que
a pouco terminara.
No dia seguinte, Paraíso, dessa vez, Basílio estava tão
fervoroso como antes; tinha até
cesta com lanches e champanhe.
Basílio ensina a Luísa a “verdadeira maneira de beber
champanhe”: Enche a boca da
bebida e num beijo, passa-a para a boca de Luísa; ela
adorou. Luísa tinha toda a graça
lânguida de uma pomba fatigada.
Basílio achava-a irresistível;
“quem, diria que uma burguesinha podia ser tão
chic, tanta queda?”
À noite, Luísa e Juliana vão à casa de Leopoldina, mas
ela tinha ido ao Porto.
No dia seguinte, a caminho do Paraíso, Luísa depara-se
com o conselheiro Acácio, ele
tinha escrito um livro:
Esse contratempo fez com que ela se atrasasse e ao
chegar ao Paraíso, Basílio já havia saído. Sentiu um desejo frenético de ver
Basílio e ordenou ao coupé que fosse para o Hotel Central,.
Basílio também não estava lá. Vermelha e irritada chega
em casa. Eram três horas da
tarde e ao ver tudo desarrumado chama a atenção da
criada que estremece frente à
cólera da patroa. Luísa expulsa Juliana que diz batendo
no peito, que sairia se quisesse e
com voz estrangulada diz que nem todos os papéis foram
parar no lixo, ela tinha as cartas
que a senhora escrevia aos amantes. Luísa desmaia.
CAPÍTULO
VIII
Luísa volta a si, Joana diz que Juliana estava mal, com
as dores, Luísa deseja-lhe a
morte, pois assim estaria livre.
Procura saídas para o seu drama, pensa que o melhor
seria fugir com o amante. Ao
arrumar a mala, percebe que a criada roubara algumas
cartas que Basílio lhe escrevera.
Enquanto a patroa dorme,Juliana sonha com o dinheiro.
Luísa acorda tarde e vai ao Paraíso. Chegando lá, conta
tudo ao amante e propõe a fuga.
Basílio, diz que nem ele nem ela estavam preparados para
a fuga e que ele tinha só
trezentos mil-réis para ajudar; adverte-a para não fazer
mais isso pois ele não estava ali
para pagar as distrações dela. Luísa, ouvindo-o fazia-se
branca. Ela, ofendida diz-lhe que
o pagaria e ele retruca, dizendo que ela não tinha como
pagá-lo.
Ele volta irritado para o hotel. Aquela história de
adultério e criados, parecia-lhe muito
trivial, muito burguês. enquanto aguarda pelo amigo,
Reinaldo, Basílio pensa com horror
na situação: ter que voltar a Paris acompanhado daquele
trambolhozinho. Se tivesse
trazido a Alphonsine, nada teria acontecido, não teria
desinquietado a prima. Enfim, o
romance fora agradável, havia o adulteriozinho, o
incestozinho, mas aquele episódio da
criada estragara tudo, o único jeito era fugir –
Basílio conta tudo a Reinaldo que ouve com ares de nojo.
Reinaldo critica o tipo de
amante que Luísa era, mas Basílio a defende dizendo que
ela era deliciosa. Mesmo assim
o amigo o aconselha a escrever-lhe uma carta de
despedida e livrar-se da sarna. Basílio
estava relutante.
No dia seguinte Basílio vai se despedir de Luísa,
mostrando-lhe um telegrama de Paris.
Ela o recebe com frieza. Com a partida, Luísa, desolada,
sobe ao quarto. Juliana ao saber
da fuga de Basílio, é movida pela cólera,. Invade o
quarto da patroa e descarrega tudo,
diz lhe que já estava cansada de trabalhar, queria
descanso, ela ia pedir o dinheiro a
Basílio, mas com a fuga dele, sua casa seria falada em
Portugal. Luísa, com o pouco de
orgulho que ainda lhe restava, pergunta-lhe o valor e
Juliana diz seiscentos mil-réis para
não revelar nada a Jorge.
Luísa chora e Juliana reage, dizendo-lhe que ela também
tinha chorado muito e não a
queria mal, queria apenas dinheiro.
Deitada Luísa pensa em pedir ajuda a Sebastião e à
Leopoldina.
Ao levantar-se vai falar com Sebastião que lhe fala das
cartas que recebera de Jorge.
Luísa arranca uma da mão dele e lê e fica estarrecida.
Seu marido tinha feito uma
conquista também, era a mulher do estanqueiro e havia
também a mulher do delegado.
Juliana, a conselho de tia Vitória, volta a trabalhar na
casa de Luísa, ficaria lá, até
receber o dinheiro.
CAPÍTULO
IX
Juliana toca no assunto do dinheiro, como Luísa não
tinha, Juliana ameaça contar tudo a
Jorge, mas se acalma com alguns mimos.
A única saída que encontra é escrever a Basílio, só que
a resposta nunca chegava e ela
se sente completamente só nesse problema.
Jorge telegrafa anunciando a sua volta. À noite Luísa
tem outro pesadelo, sonha que ela,
Jorge e Basílio estão encenando o drama de Ernestinho.
Nele, Jorge a mata e o único
amigo a defendê-la é Sebastião. Acorda com a voz de
Jorge.
Dona Felicidade, Julião e o Conselheiro Acácio chegam e
estranham o fato de as duas
criadas estarem de folga dois dias. Conversam sobre o
exame de Julião, a condecoração
do Conselheiro Acácio, sobre o livro que estava
escrevendo e para desespero de Luísa,
sobre adultério, pois viam um livro com a ilustração de
um marido se preparando para
matar uma esposa adúltera.
Julião adverte Luísa sobre o problema cardíaco de
Juliana e ela fica feliz em saber, pois
para ela, a morte da criada seria a solução para o
problema.
CAPÍTULO
X
Jorge voltara todo amoroso.
Juliana reclama de tudo. Pede uma esteira, uma arca e
roupas novas para preenchê-la e posteriormente muda-se para o quarto em que
Jorge guardava coisas da família.
Luísa enche Juliana de mimos e acaba tendo que dá-los a
Joana também , pois a mesma
estava enciumada. A fama de que o casal era bom patrão
se espalha e chegam várias
cartas de pessoas se oferecendo para trabalhar.
Juliana passa a usufruir cada vez mais do conforto da
casa, exigindo a mesma comida dos patrões, a levantar-se tarde. Já Luísa, passa
a se levantar mais cedo para deixar o serviço em ordem.
Jorge exige que Luísa mude de empregada, a esposa chora
e Jorge Não consegue adivinhar o que acontece.
A situação se agrava quando Jorge encontra Luísa com o
ferro de engomar. Irado, joga-o no chão.
CAPÍTULO
XI
O Conselheiro Acácio, em comemoração ao título recebido
pelo governo, a condecoração
de cavaleiro da ordem de São Tiago, dá um jantar em sua
casa. Lá, Jorge, Julião,
Sebastião, o Sr. Alves Coutinho e Savedra, ouvem, de
Conselheiro Acácio, a leitura de
parte do seu livro Descrições das Principais Cidades do
Reino e seus Estabelecimentos.
Julião vai ao quarto do Conselheiro lavar as mãos, vê
duas obras religiosas ao lado da
cama e um livro de poesias obscenas de Bocage escondida
na gaveta da cabeceira. Nota
a marca de dois travesseiros na cama, o que revela a
presença de uma amante: a criada
do Conselheiro.
À mesa, a discussão atinge vários assuntos: religião,
política e mulheres. Enquanto o
Conselheiro se revela um conservador, Julião mostra o
seu lado revolucionário: odeia a
igreja e acha que a solução para Portugal seria a
revolução com algum derramamento
de sangue. –
Savedra diz Ter visto Luísa várias vezes na rua durante
o verão, o que deixa Jorge
constrangido. Durante o café com licores, todos notam a
bela criada do Conselheiro.
Numa escapada à biblioteca, Julião encontra várias obras
do Conselheiro encalhadas.
Jorge, já em casa, questiona Luísa sobre suas saídas
durante a sua ausência, a esposa
argumenta que tinha ido visitar uma amiga da infância.
Um dia, Luísa desmaiou e Julião, irritado por Ter tido
os preparativos finais para o seu
exame interrompidos, vai atendê-la e diagnostica apenas
cansaço. Mesmo doente, vai
varrer a casa e é surpreendida severamente por Jorge.
Durante uma cavaqueira, Juliana desmaia na cozinha e Julião
adverte Jorge de que a
criada tinha uma doença grave, podendo morrer a qualquer
momento.
Jorge decide despedi-la e Luísa se desespera.
No dia seguinte Luísa lê no jornal que o banqueiro
partiria em breve e decide marcar, através de Leopoldina, o encontro para se
entregar a ele, o que a salvaria de Juliana.
Castro e Luísa se encontram na casa de Leopoldina e
quando ele tenta agarrá-la, ela se desvencilha dos braços do homem e o
chicoteia, fato que faz Leopoldina rir. Luísa, desolada, deixa a casa da amiga,
não conseguira o dinheiro.
.
CAPÍTULO XII
Enquanto Luísa passa roupas, Jorge surpreende Juliana
deitada na poltrona lendo jornal.
Irritado, questiona a esposa que diz que a criada está
doente e começa a chorar. Jorge
apelida a criada de “Rainha da casa”;
Juliana, temendo ao patrão, tenta assumir a sua função,
mas sentia-se cada vez mais
fraca e não conseguindo fazer o seu serviço direito,
acaba irritando Jorge, que exaltado,
despede-a aos gritos. Luísa fala com Juliana, mas a
criada, além de não lhe dar atenção,
acaba por ameaçá-la e chamá-la de puta. Joana não
suporta toda aquela cena e se atira
sobre a criada, dando-lhe uma bofetada. Juliana foge da
cozinha, dizendo que ia embora.
Luísa, aos prantos, pede à Juliana que fique e ela exige
da patroa que despeça Joana.
Luísa ajoelha-se aos pés da cozinheira e implora que ela
se despeça sem dizer nada ao
patrão. Joana por piedade da patroa aceita o pedido.
Juliana vai ao quarto de Luísa descansar e “manda a
patroa” se comportar direito.
Luísa vai à casa de Sebastião e revela-lhe tudo. O amigo
fica indignado e, muito
comovido, arquiteta um plano para recuperar as cartas:
arranja uma sessão de teatro,
camarote e uma carruagem para buscar Jorge, Luísa e Dona
Felicidade.
CAPÍTULO XIII
A peça a que foram assistir era o Fausto. No primeiro
intervalo um colega de Jorge os
encontra e deixa- os a par de que a mulher de um
conhecido dos dois abandonara o
marido. No segundo, Dona Felicidade se exalta com a
presença do Conselheiro Acácio.
No terceiro ato, quando um tenor canta a ária da sedução
de margarida por Fausto, Luísa
lembra-se da noite em que fora seduzida por Basílio e
teme pelo que poderia estar
acontecendo em sua casa naquele momento.
No início do quarto ato todos os pensamentos de Luísa
estão voltados para a sua casa e
em Sebastião. Enquanto todos estão assistindo à peça,
Sebastião e um amigo,
comissário de polícia, se dirigem e batem à casa de
Jorge. Juliana abre a porta e
enquanto o amigo aguarda na sala, Sebastião pede que a
criada o acompanhe até a
cozinha e exige as cartas de volta, caso contrário, ela
seria presa. Juliana, sem saída,
atende ao pedido e começa a xingar. Sebastião, sem se
exaltar, ameaça-a com a mais
absoluta miséria.
Juliana cospe no rosto de Sebastião e cai. Ele corre
buscar Julião, mas o médico afirma
que ela estava “Irremediavelmente” morta, o desejo de
Luísa se concretiza. O médico,
faminto como sempre, vai à cozinha comer enquanto conta
a Sebastião que não
conseguira passar no concurso, mas como consolo,
conseguira um cargo inferior.
Quando o casal chega, Sebastião deixa-os a par da
novidade. Luísa se recusa a dormir
em casa e vão passar a noite na casa de Sebastião.
CAPTULO XIV
Após a noite agitada, Luísa acorda com febre e segundo
Julião, era apenas uma febre
nervosa. Com a morte de Juliana, Joana volta a trabalhar
na casa.
Mariana, a nova criada, acha Luísa um doce. Luísa começa
a Ter crises de febre e piora.
Julião diz que o quadro inspirava cuidados. Era uma
febre nervosa causada por algum
tipo de excitação mental. Jorge recebe uma carta de
Paris para Luísa e para não
incomodar a esposa, abre-a . Era Basílio respondendo ao
pedido de dinheiro que Luísa
lhe fizera e como já havia se passado mais de dois meses
ele esperava que o problema já
houvesse sido solucionado. Termina por fazer-lhe juras
de amor e referências ao Paraíso.
Jorge chora e lembra-se de que não podia incomodar a
esposa.
A pedido de Luísa, vai ao quarto, ela o vê aflito, quase
chorando. Julião chega e o
repreende por estar no quarto daquele jeito.
Jorge, com ciúmes e sofrimento, questiona o que havia
acontecido e chega à conclusão
de que a morta possuía o segredo. Mostra a carta a
Sebastião que nada lhe revela e pede
apenas que se acalme.
Luísa melhora gradativamente, tecendo planos e deixando
Jorge cada vez mais
angustiado.
Julião autoriza a presença de Luísa no encontro dos
domingos à noite. O assunto era o
sucesso da estréia de Ernestinho. O autor revela a Jorge
que mudara o final, perdoando a
heroína. Todos se lembram da postura inicial de Jorge em
relação à mulher adúltera, mas
ele confessa Ter mudado de idéia e nervoso, retira-se
para o escritório.
Na hora de deixarem a casa, Julião brinca ao dizer que
ia na mesma carruagem no meio
de dois grandes movimentos de Portugal desde 1820. A
literatura, representada por
Ernestinho e o Constitucionalismo, pelo Conselheiro
Acácio.
CAPÍTULO XV
Jorge encontra Luísa bem disposta e ela, ao ver sua
tristeza o interroga. O marido
estende-lhe a carta e ao ver a letra de Basílio, Luísa
desmaia.
Ao acordar, depara-se com o rosto de Jorge e desmaia
novamente. Acorda e chama
Jorge, que lhe diz que a carta não lhe interessava mais.
As dores de cabeça de Luísa se
agravam, ela começa a suar frio, gritar com qualquer
barulho, delirar, contorcer-se de dor,
sentir muita sede e mencionar nomes estranhos o tempo
todo. Julião diz que será
necessário cortar o cabelo da paciente para que as
compressas, façam efeito. Jorge
implora para que o médico espere mais um dia e vara a
noite em claro.
No dia seguinte, chega o barbeiro e Jorge, não suportando
a cena, esconde-se no
banheiro. – percebe-se aí, a falta de profundidade psicológica de Jorge, que
demonstrase
apegado à aparência da esposa ao não aceitar que
cortem o cabelo dela, mesmo que
seja para salvar-lhe a vida.
Luísa melhora um pouco e Jorge pede que chamem um antigo
médico da família, o
Doutor Caminha.
Luísa, em um momento de lucidez, chama por Jorge e
percebe que está careca. Pouco
depois piora.
Doutor Caminha, ao chegar, coloca-lhe um cáustico, o que
é inútil. Julião avisa a
Sebastião de que Luísa estava perdida. Dona Felicidade
quer chamar um padre, mas
Julião não concorda. Dona Felicidade vai falar com
Jorge, que desesperado, questiona os
desígnios de Deus e da religião, ou seja, não era justo
Deus fazer tudo aquilo com ele.
Julião lembra a todos de que precisavam comer; Jorge
tenta, mas não consegue. Ajoelhase
ao lado da esposa, implorando-lhe que melhorasse e
rogando a Deus pela saúde da
mesma.
Os médicos, em vão, tentam reanimá-la com conhaque.
Sebastião retira Jorge do quarto,
que abre uma caixa para contemplar os cabelos da mulher.
Enfim, Luísa morre.
CAPÍTULO XVI
Após o enterro Jorge despede as empregadas e vai morar
com Sebastião. Dona
Felicidade entra para um convento. Em casa, o
Conselheiro Acácio enquanto escreve um
necrológio cheio de lugares-comuns, é interrompido por
Adelaide, sua criada e amante, que o chama para a cama.
Basílio retorna a Lisboa e ao chegar à casa de Luísa, é
informado por Paula que Luísa
morrera e que Jorge estava na casa de Sebastião. Ele
empalidece e se despede.
A vizinhança comenta a falta de consideração do parente.
Todos dizem que rezam para a
defunta todas as noites, menos Paula que é contra a
igreja. – Postura anticlerical.
Basílio e o visconde Reinaldo passeiam devagar e falam
de Luísa. Para Reinaldo ela não
era uma amante chic, andava em tipóias, usava meias de
tear, casara com um reles
indivíduo da secretaria, vivia numa casinhola, não tinha
toilette... era um trambolho.
Basílio, de cabeça baixa responde que ela lhe serviu
para os dois meses que ele ficara
em Lisboa e lamentando não ter trazido Alphonsine, vão
tomar Xerez na Taverna Inglesa.
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