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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CRÔNICAS - OLAVO BILAC

“ o mestre do passado, do livro de poesia escrito longe do estéril turbilhão da rua , não será o mesmo do presente , do jornal , a cronicar assuntos do Rio de Janeiro do fim do século XIX...”




Trabalho feminino
 
 O sábado, em que está sendo escrita esta crônica, arrasta-se aborrecido e pesado, numa enxurrada de lama, sob o açoite frio dos aguaceiros, cheio de uma melancolia que nada pode dissipar. Oh! estes dias de chuva! Deus sabe quanto suicídio tem por causa a sua fúnebre tristeza…
Deixando cair o livro que lia, o cronista levantou-se, abriu a janela, lançou um olhar entediado ao céu e à rua. (...)E não se vê ninguém… Quem há que se atreve a afrontar a dureza desta úmida manhã, toda de. choro e enfaro.
Comentário do Prof. Gil
Um olhar para o espaço urbano , apresentado com a maestria e a poesia , traduzindo-o com a melancolia e tristeza daqueles tempos , bem ao gosto de um observador realista, e lembrando neste momento, um outro português : Cesário Verde.( Realismo Português )
(texto de Cesário Verde )
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Despertam um desejo absurdo de sofrer.
O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-nos, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba,
Toldam-se duma cor monótona e londrina


Soturnidade = solidão     Turba = multidão


Mas não… Lá vem, cosido à parede, um vulto apressa­do. E uma mulher. Mais perto agora, distinguem-se-lhe as feições, as roupas encharcadas, sob o puído guarda-chuva gotejante. A borrasca envolve-a, vergasta-a, cnraiva-se sobre ela, com uma crueldade implacável. A velha saia preta, colada às pernas, vem barrada de lama; os sapatos chapi­nham nas poças da água; e sempre cosida à parede, car­regando um grande embrulho, tossindo e tremendo de frio. lutando contra a ventania furiosa, lá se vai a pobre — fan­tasma da pobreza, vítima de uma dura sorte, em busca do pão com que há de alimentar os filhos pequenos, e, quem sabe? talvez também um marido malandro, que fica, no calor da alcova, contando as tábuas do teto e fumando, enquanto a mísera tirita pelas ruas alagadas…

Comentário do Prof. Gil
A apresentação da mulher terá a idéia da miserabilidade , do sofrimento
“... lá se vai a pobre — fan­tasma da pobreza, vítima de uma dura sorte, em busca do pão com que há de alimentar os filhos pequenos...”, podemos fazer neste momento uma certa associação com a personagem Maria Parda de Gil Vicente.

Ex. Gil Vicente coloca sua Maria Parda na região da Praça da Sé... “Seca, desgrenhada, escura...” Uma Maria Parda que acreditamos ser um símbolo, uma representação metafórica da realidade de Lisboa àquela época... Época de fome e miséria, acarretadas pela seca que assolou o país no ano anterior, devastando as vindimas
Comentário do Prof. Gil
A partir deste trecho o autor estabelecerá painéis sobre a mulher do século XIX “ flores humanas na estufa da civilização” , “são uns encantadores e estranhos ani­mais, metade anjos, metade demônios, tão sedutores e amáveis quando abusam da sua influência celestial como quando abusam da sua influência satânica”.
Mas também deixa um trecho enaltecendo a força , o trabalho que a mulher representa da primeira luz do dia às horas cerradas da noite, entisicando sobre a máquina de costura, perdendo as forças sobre a tábua de engomar, tisnando a pele junto das chamas do fogão!”
E o quanto os homens não reconhecem este perfil valoroso da mulher “Ninguém pensa nisso… Só, de quando em quando, um . cronista melancólico, levado pela própria tristeza a cuidar das tristezas alheias, demora a atenção sobre a dureza da vossa negra sorte — ó mulheres pobres, que sois tão mais fortes do que nós, na moral como no físico!”



Ainda não há três dias publicava A Notícia esta local: "Pela primeira vez, foi enviado ao Ministério da Fazen­da um requerimento de uma senhorita pedindo para ins­crever-se [***] concurso, a fim de exercer um emprego [***] Fazenda.
"Esse requerimento foi à diretoria do contencioso, a fim de ser informado, e combateu a pretensão, pelo que o sr.ministro da Fazenda resolveu indeferir o mencionado requerimento."

Ora, as leis humanas não podem ter a infalibilidade que a Igreja atribuí às leis divinas. A sociedade não pode sujeitar-se ao império de uma lei absurda, somente porque ela é uma lei.

Sempre que se agita esta questão das reivindicações femininas, escovam-se e [***] os velhos chavões, e, com um grande ar de importância, os filósofos decidem sem apelação que a mulher não pode ser mais do que o anjo do lar, a vestal encarregada de vigiar o fogo sagrado, a depositária das tradições da família… e das chaves da despensa.

Comentário do Prof. Gil
Uma reflexão crítica sobre a sociedade e o espaço que a mulher deseja conquistar , reivindicando poder participar de um concurso mas tendo seu pedido indeferido. Retrato verossímil de uma época. O autor deixa uma crítica às Leis e aos “ filósofos “ de sua época com o machismo e insegurança masculina disfarçado de sabedoria





Se todos quisessem ser sinceros, ou antes se não quisessem enganar a si mesmos, quantos homens confessariam que os melhores atos de toda a sua existência foram inspi­rados no recesso do lar, entre dois carinhos — nessas horas de intimidade em que as mulheres sabem influir sobre o nosso espírito sem mostrar o que estão fazendo, e cm que nós, inconscientemente, sem humilhações para o nosso desmarcado orgulho, vamos pouco a pouco adotando as suas idéias e abandonando as nossas, de maneira que, daí a pouco, exclusivamente parece nosso aquilo que é exclusiva­mente delas!


Abram-se às mulheres todas as portas! Porque, enfim, nós, os homens, já temos contribuído tanto para plantar  na Terra o domínio da tolice e da injustiça — que não era mau saber se o outro sexo não é capaz de ter mais juízo do que o nosso!…


Gazeta de Notícias
18/8/1901
Comentário do Prof. Gil
Um apoteótico final exalta a importância da mulher e a justeza no discurso de Bliac que desafia a tolice e injustiça dos homens a abrir as portas para as mulheres , que representam o juízo que falta na sociedade



Prostituição infantil 



Não sei que jornal, há algum tempo, noticiou que a polícia ia tomar sob a sua proteção as crianças que aí vivem, às dezenas, exploradas por meia dúzia de bandidos. Quando li a notícia, rejubilei. Porque, há longo tempo, desde que comecei a escrever, venho repisando este assun­to, pedindo piedade para essas crianças e cadeia para esses patifes.
Mas os dias correram. As providências anunciadas não vieram. Parece que a piedade policial não se estende às crianças, e que a cadeia não foi feita para dar agasalho aos que prostituem corpos de sete a oito anos… E a cidade, à noite, continua a encher-se de bandos de meninas, que vagam de teatro em teatro e de hotel em hotel, vendendo flores e aprendendo a vender beijos.


Comentário do Prof. Gil
Mais uma crônica voltada para o universo feminino. Saindo da observação da mulher adulta discriminada e explorada pelo pensamento machista e retrógrado da sociedade, mergulhamos nesta crônica num olhar para a mulher , mas na fase infantil e sendo explorada pela estupidez e bestialidade através da prostituição.
 O trecho “  vendendo flores e aprendendo a vender beijos” traduz a idéia do texto com uma poesia que depois descortinará a crueldade desta sociedade com crianças de 7 a 8 anos.
A pobrezinha levantou-se, com um grito. Teria oito anos, quando muito. Louros e despenteados, emolduravam os seus cabelos um rosto desfeito, amarrotado de sono e de choro. E dentro do miserável vestidinho de chita, todo o seu corpo tremia, como numa convulsão, nervosamente. Quando viu que não lhe queria fazer mal, o seu ar de medo mudou-se logo num ar de súplica. Pediu-me dez tostões, chorando.
E a sua meia-língua infantil, espanholada, disse-me cousas que ainda agora me doem dentro do coração.
Perdera toda a féria. Só conseguira obter, ao cabo de toda uma tarde de caminhadas e de pena, esses dez tostões — perdidos ou furtados. E pelos seus olhos molhados pas­sava o terror das bordoadas que a esperavam em casa…
"Mas é teu pai quem te esbordoa?"
"E um homem que mora lá em casa…"
Dei-lhe os dez tostões, sem poder falar.
Ela, já alegre, com um sorriso divino que lhe iluminava a face úmida, pediu-me mais duzentos reis — para si, esses, para doces.


Comentário do Prof. Gil
O trecho destaca a idéia da menina que tem que posar de mulher para se prostituir sob a ameaça que vem de sua própria casa. E por outro lado o texto deixa evidente que a “ mulher “ não passa de uma menina “ pediu-me mais duzentos reis ....esses , para doces

Enfim, todos nós temos mais que fazer. E talvez a sorte melhor que se possa desejar hoje cm dia a uma criança pobre — seja uma boa morte, uma dessas generosas mortes providenciais, que valem mais que todas as esmolas, todas as bênçãos, todos os augúrios felizes e… toda a comiseração dos cronistas.

Olavo Bilac

Gazeta de Notícias
14/8/1894
Comentário do Prof. Gil
 ‘ todo nós temos mais o que fazer “ singulariza e simplifica bem o discurso da sociedade diante da problemática social da prostituição infantil. E a morte é colocada como um ponto final único para o problema.




Recenseamento



Enfim, vai o Rio de Janeiro conhecer-se a si mesmo… Uma cidade sem recenseamento é uma cidade que a si mesma se ignora, porque não tem a consciência da sua força, do seu valor, da sua importância.
Infelizmente, já se descobriu o meio de opor embaraços à realização da bela idéia. No mesmo dia em que o prefeito decretava a organização do recenseamento da população, era publicado um ofício do ministro da Guerra, solicitando a organização do alistamento militar… E o povo, cotejando essas duas medidas, juntando-as, pesando-as na mesma balança, começou logo a atribuir-lhes uma aliança oculta um conúbio escondido, uma identidade de intuitos e de fins. A gente culta (que infelizmente não é legião) sabe- que esses dois serviços nada têm de comum, e que o propósito da prefeitura é, única e exclusivamente, o de saber quando habitantes tem a capital da República — cousa que, por vergonha de todos nós, ainda não se havia tentado averiguar. Mas, para a gente ignorante e desconfiada (a desconfiança e a ignorância são irmãs gêmeas), o recenseamento é o pretexto para o alistamento militar — e já o medo da farda e do serviço de caserna começa a sugerir às almas inquietas a idéia de se recusar a encher as listas censitárias.
Esse terror é natural. Antigamente, o recenseamento apenas era feito para auxiliar dois serviços profundamente antipáticos aos povos de todos os tempos: o do recruta­mento militar e o da cobrança de impostos. O imposto e a farda — dois espectros, dois espantalhos! Já na velha Roma, no remotíssimo tempo de Servius Tulius, quando os curatores tribuum saíam, com as suas tabuinhas ence­radas e os seus estiletes de marfim, a percorrer a urbe, e a recensear os habitantes, separando-os em assidui e proletarii — um medo pânico se alastrava pelas vielas e pelas alfurjas da cidade, e um terço da população, sabendo que aquilo significava guerra ou imposto, cobrança de sangue ou cobrança de dinheiro, transpunha as portas, e ia refu­giar-se no campo.
Comentário do Prof. Gil
O olhar do homem público , do cidadão Bilac para o contexto do recenseamento no Rio de Janeiro traz a discussão dos valores de cidadania e consciência do brasileiro da época.
Hoje, o recenseamento tem um fim mais amplo, mais nobre, mais belo — um fim social. E uma parte essencial da estatística, que, sendo "o estudo numérico dos fatos sociais", é uma das ciências tributárias e auxiliares da socio­logia. Como explicam os mestres da economia política, a vida social é um movimento perpétuo, uma transformação contínua, e uma constante renovação de fenômenos, que, por mais diversos que pareçam, sempre se podem classi­ficar em um número relativamente limitado de categorias. Não há um só fato individual que deixe de ser interessante, porque os fatos individuais, reunidos, formam os fatos so­ciais; e não há meio de governar sem o conhecimento des­ses fatos. É a estatística que torna possível o governo. Ela é, por assim dizer, a "escrituração social": se uma casa de comércio não pode viver e prosperar sem o registro minu­cioso das suas compras e vendas, e sem* os balanços pe­riódicos que demonstram o bom ou mau çstado dos seus negócios — também a sociedade humana não pode dispensar os seus guarda-livros, que são os encarregados da estatística…
Essa "escrituração social" tem sido até hoje criminosa mente relaxada no Brasil. Os "guarda-livros" do país, ou são incompetentes, ou são indiferentes. Aqui a estatística é um mito. Para não ir muito longe, e apenas citar um fato simples e de fácil verificação, basta lembrar que, no Rio ele Janeiro, a Biblioteca Nacional e o Museu Nacional não têm catálogos! É incrível, mas é verdade… Se nem temos sido capazes de organizar e publicar o catálogo de um museu ou de uma biblioteca, não é de espantar que não tenhamos organizado e publicado até hoje o catálogo geral da nossa população, das nossas riquezas, do nosso trabalho, da nossa vida…

Há pouco tempo,; a Legação Japonesa no Brasil dis-tribuiu, pelas repartições públicas e pelas redações dos jornais, o Anuário financeiro e econômico do Japão relativo a 190$. Lendo esse livro, que é um monumento assombroso e maravilhoso de estatística, é que se pode compreender o estupendo progresso daquela nação.


Mas estas idéias, tão simples, tão claras, tão vulgares, não podem, desgraçadamente, ser eficazmente incutidas no ânimo de toda a nossa população. Por quê? porque uma grande parte da nossa população não sabe ler…           


É aqui que tudo vem ter: o problema da instrução é como, nas máquinas, o eixo central, em torno do qual os movimentos de todas as peças se combinam e conjugam. Por isso, é que não deixo de tocar este realejo, cuja música pode parecer enfadonha, mas é indispensável: e "si cette histoire vous embête,/ nous allons la recommencer!". ["se esta história vos aborrece/ nós vamos recomeçá-la” ]
    Gazeta de Notícias 17/6/1906
Comentário do Prof. Gil
A discussão no texto se expande para uma reflexão em torno de valores de compromisso social , do progresso de uma Nação, da carência do próprio povo balizada pela ignorância política e social e analfabetismo. E ao final a idéia sempre do recomeço para obter “ Ordem e Progresso “.





Antônio Conselheiro


 
Confesso que nunca entendo bem as cousas que se pas­sam aqui. Tenho viajado tanto, que já não há canto da terra que os meus pés de cabra não tenham calcado, nem recanto de horizonte em que não tenham pousado os meus olhos satânicos: e tenho, em todas as terras, entendido tu­do; aqui, porém, o mais insignificante caso se reveste de tão extraordinárias circunstâncias e se complica de tão sin­gulares episódios, que a minha pobre cabeça de diabo, com as idéias baralhadas, se perde, delira, ensandece… Vede-me, para exemplo, este caso do Antônio Conselheiro…1
O Conselheiro é (dizem-no todos) um fanático, um desequilibrado, um histérico. Em criança, tinha crises de epilepsia. Casou. A mãe dele desandou logo a ter conflitos, e bate-línguas, e troca de insultos ásperos com a nora. En­tre as duas, Antônio Conselheiro penava, querendo em vão reconciliá-las. Um dia, desesperado, foi-se à velha: "Por que briga a senhora com minha mulher? que lhe fez ela? por que não a deixa em paz?".
A velha, alma danada, para reconquistar o amor e a confiança do filho, não trepida em se valer de uma calúnia. E convence Antônio de que a mulher o engana: "Queres a prova? finge uma viagem, volta depois às escondidas, ocul­ta-te na chácara, e espreita! Verás que, às horas tantas da noite, há de chegar aquele que é mais amado do que tu!".
Aceita o moço o conselho, diz que vai jornadear, beija a mulher, e parte. Mas, à boca da noite volta, e, dentro de uma moita, fica à espreita. Daí a pouco, vê que um vulto de homem salta o muro e, com passo de gatuno, leve e abafado, se aproxima da casa. Antônio (em todo homem há sempre a fúria de um Otelo!),2 Antônio não resiste ao primeiro impulso da cólera: põe à cara o clavinote e dis­para-o. Cai o vulto, baleado. E quando o desgraçado vai ver de perto quem matou, vê estendida por terra, numa poça de sangue, a própria mãe, vestida de homem. A mísera, querendo iludir o filho, tivera a diabólica idéia de combinar toda esta aventura, cujo êxito pagou com a morte…
Isso é o que diz a lenda. E diz mais que Antônio, deses­perado, internou-se nos matos bravios, transformando-se desde então neste Conselheiro que é hoje diretor de 3 mil fanáticos que, armados de carabinas Chuchu, devastam a Bahia e estão dando que fazer às tropas do general Sólon.1
Há desgraçados que o remorso transforma em frades, ou em criminosos relapsos, ou em suicidas, ou cm idiotas. Outros, muda-os o remorso em apóstolos… E o Conselheiro não foi impelido para o Apostolado unicamente pelo re­morso. Este já achou o terreno preparado na alma do Antônio — alma de inquieto, de agitado, de nevrótico. Podia dar para outra cousa o homem: mas deu para se julgar Enviado de Deus, encarregado de regenerar o mundo, de redimir a humanidade, de combater os governos existentes.
Ainda se ele parasse aí! se os 3 mil homens se limi­tassem a correr os desertos, e a comer gafanhotos como são João Batista, e a jejuar e a orar como santo Antão, na Tebaida!… Mas, não! os fanáticos de Antônio Conselheiro, apesar de se dedicarem à penitência e à reza, e à reforma dos costumes dos homens — não podem passar sem pão, sem carne, sem cachaça, e sem mulheres. E, pois, saqueiam as vilas, assolam as aldeias, matam os ricos, escravizam os pobres, defloram as raparigas, e assim vão vivendo bem, bem combinando os sacrifícios do viver religioso com as delícias do comer à tripa forra.
Ora bem! chegamos agora ao ponto principal do caso. Pelo que todo mundo diz do Conselheiro, ele não é só um fanático: é também um salteador; e salteadores, além de fanáticos, são também todos os seus sequazes. E, em qual­quer outra parte do mundo, esse pessoal seria baleado, cor­rido a pedra e a sabre, sem complicações, sumariamente. Aqui, não! Aqui tudo é política. Aqui não se compreende que se faça alguma cousa., ou boa ou má, sem ser por política. Houve um incêndio? política! Um bonde elétrico matou um homem? uma senhora fugiu de casa? política. Caiu um andaime? o Prudente tinha uma pedra na bexiga? política! E, assim, o Conselheiro, na opinião da imprensa indígena, nem é um fanático, um Jesus de fan­caria — nem é um salteador, um Fra Diavolo4 da Bahia: é um homem político, é um conspirador, é um restaurador da monarquia…
A Liberdade cala-se sobre ele: manha de monarquista. A República diz que ele é emissário do príncipe do Grão-Pará: recurso de jacobino.

Entre essas duas manias, quem lucra é o nosso Conse­lheiro, que, sendo, ao mesmo tempo, um maluco acabado e um refinadíssimo patife, deixa de ser tudo isso, para ficar sendo, graças à mania política da terra, um agitador, um Kossuth,5 um Montt,6 um não sei quê!


Viva a política! Nada há mais sobre a Terra, debaixo do clarão esplendido do sol!


O Diabo Vesgo


Notas
  1. Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro (1828-97): nascido em Quixeramobim, no Ceará, Antônio Conselheiro liderou a rebelião de Canudos, no interior da Bahia. Este episódio de nossa história, ocorrido entre 1896 e 1897, foi a base de Euclides da Cunha para escrever Os sertões (1902).

2.  Otelo, o Mouro de Veneza, é personagem de peça homônima de Shakespeare  (1564-1616). Casado com a bela Desdemona, Otelo mata-a num acesso de ciúme, persuadido de que ela o traíra com Cássio. Depois de saber-se enganado, Otelo se mata.

3
General Frederico Sólon Ribeiro (1842-1900): comandante do Dis­trito Militar da Bahia, sob cuja responsabilidade deu-se a Ia Expedição a Canudos, encabeçada pelo tenente Pires Ferreira, em novembro de 1896. Depois dessa derrota em Uauá, armou-se um conflito de interesses entre o governador Luís Viana e o general Sólon.

4 Fra Diavolo (Frei Diabo) (1771-1806): aventureiro de origem italia­na, Pca Diavolo em o apelido de Micbele Pezza, que foi executado no reino de Nápoles, a mando dos franceses.

5 Lajos Kossuth (1802-94): político húngaro, Kossuth batalhou pela independência de seu pais e por medidas aduaneiras que protegessem a indústria e o comércio da Hungria.

6  Manuel Montt (1808-80): político chileno, Manuel Montt foi presidente do seu país entre 1851 e 1861, quando implantou uma política de modernização e de reformas.


Comentário do Prof. Gil
O autor se apresenta no texto como o “ diabo “ que se mostra revoltado com o que presencia na terra. Pois temos a figura conhecida por nós ANTONIO CONSELHEIRO ( Canudos ) ganhando destaque e atenção das autoridades da época ao contrário da visão que o autor tem do mesmo , ao considerá-lo um fanático religioso. Um pertubardor da ordem pública
O leitor fica meio que sem entender o porquê de tal postura do autor. Mas estamos no Brasil do início da República e Bilac era defensor da democracia republicana e Conselheiro pregava a volta da Monarquia, e portanto temos uma postura dura por parte do autor.

Embora saibamos que Conselheiro liderou a reivindicação de miseráveis no levante de Canudos, tendo 25 mil pessoas como seus seguidores e sua imagem seja diferente da apregoada por Olavo

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