O Livro O Carro dos Milagres, de Benedicto Wilfred Monteiro (1924-2008) é uma coletânea de narrativas publicada em 1975, durante os Anos de chumbo (Ditadura Militar), de censura à cultura escrita. Premiada pela Academia Paraense de Letras, a presente coletânea contêm relatos de um caboclo que vem da brenha das matas amazônica contar suas histórias, memórias, culturas e saberes. Das sete narrativas, é importante enfocar aquela que contém o mesmo título do livro: O Carro dos Milagres.
LEIA COM ATENÇÃO
O "O Homem Rio" foi
a última e mais dolorosa obra escrita por Benedicto Monteiro, esse livro
apresenta a saga de Miguel do Santos Prazeres, na busca de um novo lugar e na
busca de respostas para sua visão de mundo. Uma história que demonstra o quão
impactante é a descoberta da cidade grande para o homem ribeirinho – é a
história de muitos Beneditos contada por Miguel.
Miguel dos Santos Prazeres
trata-se, na verdade, do alter-ego de Benedicto Monteiro. Atesto isso pelo que
conheço de sua obra e por ter acompanhado de perto grande parte de todo o seu
processo de criação literária e produção editorial de sua obra. A gestação de
Miguel foi iniciada com o Conto "O Precípicio" - publicado na Revista
Norte N° 1, em 1958- e começou a evoluir a partir do livro de contos
"Carro dos Milagres". O dizer
de Benedicto Monteiro, no que tange à sua proximidade e cumplicidade com a
natureza, e, sobretudo no que diz respeito as suas angústias e inquietações
frente às injustiças sociais, à intolerância e ao preconceito por parte das
classes dominantes e dominadoras, se faz pela fala de Miguel.
Esse dizer é o que constrói todo o eixo político de sua obra
literária. Miguel diz em sua prosa, vestida de poesia e circundada pelo
devaneio verde e líquido do caboclo ribeirinho, o que Benedicto Monteiro não
pôde dizer na linguagem dos discursos, na retórica de sua oratória, num momento
em que lhe foi usurpado o direito de se expressar como cidadão e político. Esse
direito lhe foi usurpado pelo Golpe Militar de 1964, nesse momento de sua vida,
ele recorreu à literatura para expressar livremente o seu pensamento. E mesmo
depois de seu retorno à militância política, quando foi absolvido do processo
que foi instaurado pela Justiça Militar, o Miguel dos Santos Prazeres,
perfilado em “Verdevagomundo”, "Minossauro", “A Terceira Margem” e em
"Aquele Um" e depois em "O Homem Rio", continuou sendo meio
e fim de todo o seu ideário e de seu imaginário poético.
Miguel Dos Santos Prazeres, personagem-elo de sua saga amazônica
passou a ser o leito fecundo de um rio que Benedicto Monteiro mergulhou e
navegou para manter vivo o seu sonho. O personagem serviu para guardar, viva, a
voz e o grito contido do jovem político - e para dar ressonância à voz do Poeta
que desenhou em prosa e verso sua memória de amor e dor, de vida e de morte, em
defesa da Amazônia e dos Amazônidas.
Benedicto criou Miguel para ser o guardião de sua Palavra-Raiz,
Porta-Voz de seus Verbos, e o fez personagem de si mesmo: Uma Alegoria Viva de
seu Sonho. Da fala de Miguel escorre o dizer do jovem inquieto e inundado de
utopias, do poeta libertário e libertador, do político transformador ávido por
conquistas e justiças sociais. A linguagem de Miguel é arquitetada pela fala de
todos os Benedictos e carrega em si, a síntese de todos eles: do Amazônida que
carrega toda a herança memética de uma civilização de gente vivente e movente
desse mundo de águas e, de gente que nasce encantada, que vive no espanto, que
cresce e morre dentro da natureza sentindo-se parte dela – só parte dela e,
nunca, mais do que ela.
Wanda Monteiro ( filha de Benedito Monteiro )
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O Livro
“Carro dos Milagres”
"Olhe compadre, nem quero lhe contar a triste sina
deste meu barco a vela feito de miriti. Eu trouxe ele mas foi pra colocar no
Carro dos Milagres. Promessa feita e jurada ao pé da imagem de Nossa Senhora do
Retiro, na noite de lua cheia, três noites depois do medonho temporal. Tive que
correr terra – o senhor pensa – pra cumprir dita promessa. E
trazer, com minhas próprias mãos, esta veleira copiada da fina canoa que o
vento e a água reduziram a fanico na contracosta da Baía do Marajó. Só este
criado seu escapou são e salvo por obra e graça de Deus e Nossa Senhora de
Nazaré".
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O Livro O Carro dos
Milagres, de Benedicto Wilfred Monteiro (1924-2008) é uma coletânea de
narrativas publicada em 1975, durante os Anos de chumbo (Ditadura Militar), de
censura à cultura escrita. Premiada pela Academia Paraense de Letras, a
presente coletânea contêm relatos de um caboclo que vem da brenha das matas
amazônicas contar suas histórias, memórias, culturas e saberes. Das sete
narrativas, é importante enfocar aquela que contém o mesmo título do livro: O
Carro dos Milagres.
Ainda que inserida num livro de
contos, a primeira narrativa – O Carro dos Milagres – enquadra-se na categoria
de novela, porque o enredo dela não trata de um único assunto, mas sim de
vários e com muitos personagens; além disso, cabe-lhe o patamar de novel pelo
fato de ter menor extensão do que o romance. Todavia, não é interesse trabalhar
o aspecto do subgênero narrativo, mas sim tratar do conteúdo e da estrutura
narrativa da referida obra.
A novela O Carro dos Milagres
apresenta a experiência do caboclo Miguel dos Santos Prazeres (embora esse nome
não apareça nesse texto, pode-se dizer que ele é subentendido de acordo com o
conjunto da coletânea) no Círio de Nazaré em Belém/PA. Primeiramente, nota-se o
diálogo entre dois caboclos (Personagem-narrador e o Compadre) que vieram
acompanhar o Círio, sendo que Miguel tem o interesse de pagar uma promessa que
a sua mãe fez a Nossa Senhora de Nazaré do Retiro (ou do Desterro) quando o
rapaz encontrava-se em situação de perigo com sua canoa nas águas do Marajó. A
mãe velha prometera a Santa que se seu filho fosse resguardo do temporal ele
haveria de levar um barco a vela de miriti durante a procissão.
O personagem-narrador (Miguel)
descreve, de forma maravilhosa, os detalhes da procissão que está assistindo
pela primeira vez, volta-se ao passado de suas lembranças para contar suas
sagas de canoeiro no Igarapé da Mata do Catauari com o Compadre, um amigo que o
acompanha no Círio e numa beberagem com cachaça de Abaeté, enquanto aguardam no
nascer do dia a saída do Círio no Largo da Sé (atual Praça Dom Frei Caetano
Brandão).
Depois de muitos goles de bebida,
os dois caboclos resolvem segui a procissão, sendo que Miguel tinha o objetivo
de achar o Carro dos Milagres e depositar a sua promessa (o barco a vela).
Miguel avista o Carro, descreve a lenda portuguesa contida na iconografia do
Carro (o milagre de Nossa Senhora de Nazaré a Dom Fuas Roupinho no século XII).
Mas o caboclo encontra inúmeras dificuldades para pagar sua promessa: primeiro
perde o companheiro de cachaça, o compadre; depois esbarra com o barquinho num
balão de gás que dispersa a promessa no meio dos romeiros.
Miguel, bêbedo e perdido na
multidão, acaba chegando a Basílica-Santuário de Nazaré. Ali o caboclo fica
maravilhado com as impressões artísticas da Igreja e nela se deixa estar até as
altas da madrugada. Ao chegar na garagem, Miguel, com uma vela na mão,
encontrar o Carro dos Milagres e se detém olhando as promessas contidas na
barca. E é exatamente aí a história se complica: O rapaz é surpreendido por
beatas que, maliciosamente, o acusam de incendiário e de ladrão. Já raia um
novo dia e elas chamam o padre e a polícia para deter o suposto meliante.
O caboclo é levado preso para a
delegacia e ali descreve a presença dos detentos de vários lugares do país e do
exterior e as minúcias horríveis daquele cárcere. Depois, avista outro
Compadre, viciado em soltar balões de gás, que faz procuração por seu filho
perdido e possivelmente morto na procissão. Miguel observa e relata o equivoco
sobre a morte do filho desse Companheiro, achavam que o filho era um rapaz que
morreu na explosão de um compressor de balão que estourou na procissão. Mas,
logo é resolvida essa história quando encontra o filho do Companheiro que ficou
bebendo quando seu pai lhe ordenara comprar tais balões coloridos, os mesmos
que foram descuidados e soltos pelo filho, os mesmo que levaram a promessa do
Miguel, o qual desfecha a história prestando depoimento à polícia
O religioso e o Profano
O caráter mesclado entre o religioso, a devoção,a
beleza da fé, em simultaneidade com a cachaça,pisões, ladrões,isto é, o sagrado
e o profano
Personagens são alegorias da simbologia que envolve a maior procissão
católica do mundo. Representa essa festa regional,única,repleta de detalhes da
cultura paraense e ao mesmo tempo universal, o amor a Virgem Maria,Senhora do
Desterro,Nossa Senhora de Nazaré...
Algumas ideias
Ø O conto-novela foi dividido em três episódios (Carro dos Milagres,
a Basílica, a Prisão)
Ø Olhar do marginalizado O autor Benedicto Monteiro mostra o Círio através
do homem humilde do interior,pescador do Marajó.Foge da narrativa oficial, da
visão urbana do Círio,da visão jornalística...
Ø O promesseiro narrador Sintetiza o povo, o anônimo interiorano,com o seu
deslumbramento diante da Santa,com sua cultura do peixe frito,da farinha,da
cachaça,os seus causos, o brinquedo de miriti, os ditados populares,suas
idiossincracias,sua vivência de mundo
Ø Águas e o mar de gente O narrador cria uma analogia entre o desespero de
não alcançar o Carro dos Milagres, com o naufrágio sofrido no Marajó. A todo
momento faz comparações com o seu mundo marajoara. Durante a narrativa o
promesseiro tenta explicar o Círio, a partir do seu conhecimento de mundo,das
dificuldades que já enfrentara como pescador. Talvez pelo efeito da
cachaça,acreditou que ir na corda,ou colocar objeto da promessa no Carro dos
Milagres,era mais difícil que os perigos que já enfrentara nas águas da região.
No dia do temporal lá no Marajó as velas também foram perdidas: “Eu mesmo
não sei contar nada, depois que velas e mastros foram arrancados. Só sei que a
canoa ficou totalmente desamparada no meio da mais negra escuridão.”
Ø Patrimônio Imaterial O narrador percebe que o Círio não depende de
qualquer autoridade religiosa, política, ou da área de segurança para
acontecer. Uma manifestação de fé genuinamente popular.
Ø Santa e
Devoto Uma festa com dois elementos centrais, a Santa e
os fiéis. Nenhuma celebridade, artista, Presidente,Governador, jogador, ou
milionário terá o protagonismo durante o Círio
Ø A promessa A mãe do narrador fez promessa a NossaSenhora do
Retiro, ou do Desterro e que deveria ser no Círio de Nossa Senhora de Nazaré o
pagamento– (a mesma Santa) pelo filho que foi salvo do naufrágio
Ø Olhar do interior na capital O narrador está na procissão do Círio pela primeira
vez, seu intuito é pagar a promessa,está na Sé ao lado do compadre, observando
a multidão tomar conta da praça.
Ø Falso diálogo Conversa com o compadre,porém só o narrador tem
voz,o compadre não fala,não existe diálogo entre eles. ( falso diálogo).
Ø A maldita de Abaeté O compadre lhe acompanha nas doses de cachaça.
Ø Quando começa a procissão os dois “cabocos” já estão
alcoolizados
Ø O verniz religioso As três beatas e o falso testemunho,ausência de
caridade cristã, pois partiram logo para acusação de ser o romeiro um
incendiário ou ladrão. O falso mundo das aparências.
Ø Falta da essência cristã O padre cometeu o mesmo erro das beatas, pois nada
perguntou ao humilde romeiro. Estava preocupado apenas com aparência dos fatos
apresentados,pois pediu para o policial retirar o suposto meliante pelos fundos
da Basílica
Ø Sua leitura do século XII O narrador faz sua própria leitura da iconografia
da cena do nobre cavaleiro e marinheiro português D. Fuas Roupinho,presente nas
laterais do Carro dos Milagres. Protagonista de um milagre de Nossa Senhora de
Nazaré,no século XII
Ø Os balões coloridos No final do conto tudo fica subtendido que
provavelmente teria sido os balões de gás do filho do compadre, que levaram a
vela do barco do narrador
Ø A ironia do destino. O pai que tinha orgulho do filho não beber
cachaça, o filho ao sair para beber foi salvo da explosão
Ø A solidariedade O caráter solidário dos anfitriões que ao
perceberem o improvisado velório em sua sala, nada perguntaram e foram
abraçá-los na dor da perda. Representa a hospitalidade do paraense no período
do Círio.Especificamente das pessoas humildes que abrem suas residências para
centenas de milhares de romeiros do interior do Pará
Ø A boa acolhida Diferentes da beatas,do padre e do policial dentro
da Basílica,que não tiveram o despreendimento das aparências de um cristão
coerente com a filosofia de Jesus
Ø A crítica social, Mostrando a imoral moradia em cima de pontes, palafitas.
Ouro e a prata da Igreja, o patrão que arma emboscada para o empregado...
Ø A rica e bela linguagem A oralidade, refletindo o saboroso falar do homem
marajoara. Ponto alto dessa narrativa é a oralidade, repleta de aliterações,sua
fala lembra o ritmo da corda,alucinante,frenético,acelerado.
Ø Regionalismo A obra é marcada pelo regionalismo, marcas da
cultura do Marajó (pesqueira), do Acará(farinha amarela), Abaeté (cachaça), as
tacacazeiras na festa do arraial em Belém...
Personagens
Ø O narrador é um promesseiro pescador que já enfrentou muitas
dificuldades nas águas da Amazônia . Natural do Marajó das bandas do Igarapé
das matas do Catauari.Sofre bastante por não ter conseguido pagar a promessa
feita por sua mãe. Bebe,sofre pela perda do barco de miriti, dorme,acorda na
hora dos fogos, entra na Basílica,vai preso no Santuário de Nossa Senhora de
Nazaré. Representa o romanceiro popular, o homem simples do povo, inocente e ao
mesmo tempo crítico. Tão falante durante a narrativa, ficou calado na hora da
falsa acusação e no momento da prisão. O narrador é um personagem complexo,
esférico, psicológico, surpreendente e emotivo. Dono de um repertório vocabular
original, gostosíssimo.
· O primeiro compadre que o acompanha na bebedeira,perde-se no caminho. Não tem voz na
narrativa. No sentido simbólico representaria nós leitores.
· O segundo compadre que supostamente perdeu o filho.Não bebia,não jogava,porém tinha uma
mania,que era soltar balões. Acreditava que o filho não possuia o vício do
álcool. E ficou surpreso e ao mesmo tempo feliz com o filho vivo. Ele também
representa o romeiro que não vem pagar promessa,apenas quer homenagear a mãe de
Jesus no trajeto do Círio.Desejou soltar balões,mas poderia distribuir água.
Estava na delegacia tentando esclarecer o atestado de óbito do filho que estava
vivo. “Mas esse compadre que não bebe, que não fuma, que não joga, tinha que
ter uma mania qualquer de vício. Pois foi a mania de soltar os balões
coloridos.”
“Taí, essa mania de soltar balões de gás em que deu,
encrenca na polícia...’
· A esposa do compadre A mãe do rapaz diante do desespero da possibilidade do filho morto,
enganou-se e acreditou que o cadáver de um desconhecido fosse o corpo do
próprio filho.Depois dançou com o filho na ponte de madeira
· O filho, menino taludo,já era um rapaz. Bom pescador,esperto também na terra,
começara estudar arte de artífice.Foi comprar balões e acabou embriagado.Foi
dado como morto,porém para alegria de todos estava vivo.
· A mãe do narrador, Perdera um filho. Ela também enfretou uma tempestade com atitude. Foi
autora da promessa que o filho narrador não cumprira. A promessa foi feita a
Nossa Senhora do Desterro, que na verdade e a mesma Nossa Senhora de Nazaré, a
mãe de Jesus.
· O chefe de polícia apenas cuida do interrogátorio e retira o narrador da cela dos malandros
· As três beatas são simbólos da hipocrisia religiosa,não deram chance de defesa ao
humilde romeiro. O amor ao próximo, a fraternidade, o princípio cristão de
justiça fora esquecido
· O padre demonstra indiferença ao romeiro marginalizado,sua maior procupação era
esconder dos fiés o suposto marginal
· O casal anfitrião Solidário,receptivo,decidido
Tema: Essa obra mostra o caráter religioso-popular do CÍRIO DE NAZARÉ. A
festa em sua riqueza religiosa e profana.
Tempo: cronológico,aproximadamente dois dias,porém não totalmente determinado.
Não sabemos o horário dos interrogatórios
Tempo psicológico: a procissão(presente),a prisão e a confusão com o filho do compadre
(passado recente),p. distante
Espaço: O trajeto do Círio,ruas centrais de Belém, no plano da memória as
matas e igarapés do Catauari, no Marajó
Enredo : Linear - Alinear,pois mitura o tempo presente com o compadre da
cachaça no início do Círio, com a continuação da narrativa no passado muito
próximo,intercalado com lembranças do Marajó
Foco Narrativo: 1° pessoa do singular
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